segunda-feira, 25 de agosto de 2014

O ANGLICANISMO E SUA CONVIVÊNCIA COM OS DOGMAS



Rev. Padre Jorge Aquino

(Movimento Anglicano no Brasil)

Quando pensamos na relação entre os dogmas e o anglicanismo temos que ser bem cautelosos. Para tanto, procuraremos, em primeiro lugar, fazer uma aproximação histórica, em segundo lugar tentaremos compreender a idéia de Dogma e, finalmente, procuraremos ver de que forma esta idéia de Dogma se reflete no anglicanismo.

Aspectos históricos

Em primeiro lugar, devemos fazer referência às teses defendidas por Harnack que ficou popularizada nas ultimas décadas do século XIX e que permaneceu até boa parte do século XX. Lohse (1981, p.7), discutindo este tema, nos lembra que 

Harnack vê na história da formação do dogma um processo de decadência que acabou conduzindo à helenização do cristianismo. Torna-se, pois, na opinião de Harnack, necessário superar esse processo, o que, por sua vez, levaria a uma fé destituída de dogmas tal qual pode ser constatada nos princípios da igreja, correspondendo tão somente à essência do cristianismo destituído de dogmas.

Similarmente, e como consequência das idéias de Harnack aplicadas à cristologia, afirma Gerhard Ebeling “Cristologicamente nada deve ser dito a respeito de Jesus, que não se restrinja a dizer quem o Jesus Histórico é” (EBELING In LOHSE, 1981, p.7).

A crença, comum nestes dias, de que devemos buscar um cristianismo destituído de dogmas se funda em pelo menos três teses apresentadas por Bernhard Lohse. Em primeiro lugar porque é absolutamente possível “ser um bom cristão mesmo não crendo em determinados dogmas” (LOHSE, 1981, p.8). Este pensamento foi muito popularizado no fim do século XIX principalmente no clássico “Em seus passos o que faria Jesus?”. No entanto entre os autores laicos esta tese também encontrou guarida. Podemos citar, por exemplo a obra do pensador russo Leo Tolstoi que pretendida estabelecer o Sermão da Montanha como parâmetro para o comportamento e a vida dos cristãos. 

Em segundo lugar Lohse levanta a tese de que os dogmas não devem ser levados em tanta conta que “eles surgiram numa determinada situação que, na sua maneira, é única e irrepetível, e que, por essa razão, estão condicionados ás situações históricas como tudo o que existe em nosso mundo” (LOHSE, 1981, p.8). De fato, somente durante o Iluminismo é que teólogos como Lessing dará importância a estes aspectos historiográficos. De fato não há como negar que todas as verdades têm sua história (Wilhelm Dilthey) e que esta história se relaciona com sei sitz in lebem (contexto vital). Desta forma, é impossível não perceber a influência do contexto intelectual helênico na formulação dos primeiros dogmas cristãos.

Em terceiro lugar, Lohse apresenta a opinião de que os teólogos sistemáticos “quase sempre não conseguem manter sua posição quando comparados com a Bíblia” (LOHSE, 1981, p.9). De fato, enquanto a linguagem bíblica faz uso de categorias pessoais, a dogmática tende a utilizar termos oriundos da ontologia. Em outras palavras, a dogmática é fruto da contaminação da teologia bíblica com os elementos da cultura grega.

Definição de Dogma

De certa forma definir o termo “Dogma” não é tão difícil. Sabemos que ele deriva do grego dokein, o qual, na expressão dokein moi, afirma Berkhof, podemos encontrar o seguinte significado: “determinei definitivamente algo de modo que para mim é fato estabelecido” (BERKHOF, 1992, p. 17).

Em geral, o termo “Dogma” é compreendido como “um ensino doutrinário oficial da igreja cristã” (PELIKAN, J. Apud COHEN & HALVERSON, 1980. p. 80). Do ponto de vista bíblico, sabemos que embora esta palavra apareça cinco vezes no Novo Testamento, ela só tem essa conotação em At 16:4, e aqui, seu sentido é muito mais voltado para aspectos que envolvem a ética e as decisões cerimoniais. Podemos, então, ficar com a definição de Lohse para quem dogmas são “enunciados doutrinais, análogos às proposições de uma determinada escola filosófica” (LOHSE, 1981, p.10). 

Em seu texto sobre a história do dogma, Lohse também apresenta a definição católica-romana para “dogma” usando as palavras do teólogo jesuíta A. Deneffe, que afirma:

O dogma é uma verdade que, de acordo com seu conteúdo objetivo, foi revelado por Deus e definida pela igreja, seja através de decretos conciliares ou decisões “ex cathedra” do Papa ou, ainda, através do mero fato de geralmente ter sido ensinada na igreja (DENEFFE In LOHSE, 1981, p.11).

Dentre os teólogos de tradição protestantes podemos encontrar na figura de Adolf Von Harnack, um dos maiores historiadores do dogma, a seguinte definição:

Os dogmas da igreja são as doutrinas cristãs da fé, logicamente formuladas e expressa como proposições cientificas e apologéticas; (...) Nas igrejas cristãs eles são considerados verdades contidas nas Sagradas Escrituras (ou na tradição) que circunscrevem o “depositum fidei”, cujo reconhecimento constitui a condição prévia para a santidade prometida pela religião (HARNACK In LOHSE, 1981, p.11).

Teólogos mais recentes como Walter Koehler e Martin Werner, discordando de Harnack, entendem que “dogma” é simplesmente a “expressão predominante da fé da comunidade referente ao conteúdo da revelação cristã” (In LOHSE, 1981, p.12). Para estes autores o mais importante nem seria o reconhecimento oficial ou a legitimação da igreja para a existência de um dogma. Bastava a auto-consciência cristã.

Para o teólogo suíço Karl Bart, visto por Bernard Ramm (1975, p. 42) como aquele que, mais do que qualquer outro teólogo, foi quem mais escreveu sobre dogma, o dogma deve ser visto como “a conformidade da proclamação da igreja... com a revelação testemunhada nas Sagradas Escrituras” (BARTH In LOHSE, 1981, p.12). Asseverando, ainda o que afirmou o teólogo suíço, continua ele:

a norma dogmática, isto é, a norma pela qual a dogmática deve recordar a proclamação da igreja, e portanto em si, antes de tudo, como a possibilidade objetiva da doutrina pura, não pode ser outra que a revelação testemunhada nas Sagradas escrituras como Palavra de Deus” (BARTH, In RAMM, 1975, p. 42).

Pelas definições apresentadas acima, pode-se ver uma certa familiaridade entre o conceito de “dogma” e o de “tradição”. J.N.D. Kelly, Por exemplo, nos diz que:

No sentido atual da palavra, “tradição” denota o corpo de doutrinas não-escritas transmitidas pela igreja ou a transmissão de tais doutrinas e, desse modo, costuma estar em contraste com as Escrituras. Na linguagem dos pais, como aliás, também ocorre no Novo Testamento, obviamente o termo continha essa idéia de transmissão e, por fim, o sentido moderno tornou-se comum. Mas seu significado básico (cf. paradidonai; tradere), a saber, o pronunciamento feito com autoridade, estava, em sua origem, em primeiro plano e sempre permaneceu em destaque. Por isso, em geral, para os pais, “tradição” significa a doutrina que o Senhor ou Seus Apóstolos entregaram à igreja, não importando se foi transmitida oralmente ou em documentos; além disso, pelo menos nos primeiros séculos, eles preferem empregar outras palavras para designar o ensino tradicional não-escrito da igreja. O significado antigo do termo é bem ilustrado na referência de Atannásio “à tradição, ao ensino e à fé verdadeira e originais da igreja Católica, que o Senhor outorgou, os apóstolos proclamaram e os pais preservaram” (KELLY, 1993, p.22).

Ao afirmar um certo parentesco ente o “dogma” e a “tradição” uma questão logo se impõe: é possível a existência de novos dogmas? Para a igreja romana a resposta é positiva. Nos últimos 150 anos ela criou três dogmas bastante conhecidos: a infalibilidade papal e a Imaculada Conceição de Maria, no século XIX e a Assunção de Maria no século XX.

Para a tradição das igrejas ortodoxas, entretanto, a formulação dos dogmas está encerrada. Este encerramento se deu no 2º Concílio de Nicéia (787 a.D.), que foi o sétimo e ultimo Concílio Ecumênico, ou seja, aceito por todas as igrejas, tanto a de Roma quanto a ortodoxa. 

Ora, uma vez que em 1054 ocorreu o Grande Cisma Oriental, criando o que conhecemos hoje como a igreja católica romana e a igreja ortodoxa, já não temos mais uma igreja uma, logo, é impossível recriar dogmas sem a plena ecumenicidade da igreja.

Entre os seguidores da reforma ocorre algo interessante e ambíguo. Por um lado há uma unanimidade de que somente os primeiros “quatro concílios foram genuinamente representantes de toda a igreja e, desta forma, eles usam a palavra Dogma de forma restrita, aplicando-as à doutrina da Trindade e às formulações cristológicas oriundas destes quatro concílios” (HARVEY, 1964, p. 72). Por outro lado há doutrinas particulares que os distinguem dos católicos e de certas crenças que se proliferaram a partir do século XVI que faz com que os reformados assumam a existência do que poderíamos chama de “dogmas menores”. 

Para os Reformadores a tese de uma igreja que sempre se reformava fez com que surgisse um segundo momento de criação confessional. Surgiram, neste momento, inúmeras Confissões de Fé no seio da igreja Reformada. Dentre elas estão: a Confissão de fé Fluminense, escrita no Brasil em 1558; a Confissão de fé Francesa (ou Gaulesa ou de La Rochelle), escrita de 1559; a Confissão de fé Escocesa de 1560; os Padrões de Fé da Igreja Reformada Holandesa (Confissão Belga de 1561, Catecismo de Heidelberg de 1563, Cânones de Dort de 1619); a Segunda Confissão Helvética, de 1566; os 39 Artigos de Religião de 1571; a Confissão de fé de Westminster de 1646; Catecismo Maior e Breve catecismo de Westminster, de 1649; a Declaração de Savoy, de 1658 e a Confissão de fé Batista de 1689.

O que é interessante é que enquanto os quatro primeiros Concílios Ecumênicos se mantêm incólume, uma série de outras questões – notadamente na área da soteriolgia e da eclesiologia passam a assumir o papel central no debate teológico.

A experiência anglicana

Os anglicanos são muito influenciados pela tradição protestante ainda que alguns também afirmem que os dogmas cessaram com o sétimo Concílio Ecumênico, como os ortodoxos. Desta forma um anglicano clássico não teria dificuldades em assinar a afirmação de Alfredo Borges Teixeira quando diz que por ocasião da Reforma vemos que a igreja mostrou: “a necessidade que tem a Igreja de periodicamente ajustar o seu credo às Escrituras e aplicar a estas as suas experiências e progresso na capacidade de entendê-la” (TEIXEIRA, 1986, p. 52).

Discordando da igreja romana, como os protestantes, os anglicanos não acreditam na infalibilidade dos Credos, e também afirmam que os “Credos e Confissões de Fé representam, pois, o entendimento que a Igreja tem das doutrinas cristãs e o sentido em que ela autoriza a pregá-las” (TEIXEIRA, 1986, p. 52).

Teixeira mostra que entre os reformados a palavra “dogma” sofreu uma certa oposição. Isto ocorreu em razão da crença romana na infalibilidade e imutabilidade de suas crenças e doutrinas, ou seja, na forma intransigente de tratar temas teológicos.

Na base desta oposição está a crença de que a mensagem da Igreja não pode ser comparada a um lago cujas águas terão, sempre, o mesmo nível sem jamais se alterar. Muito ao contrário, preceitua Teixeira (1986, p. 53), a Palavra de Deus registrada nas Escrituras está sujeita ao dinamismo da Palavra transcendente, ou seja, o Verbo eterno, que por meio do Espírito Santo põe na boca de cada pregador, em cada época e lugar, as expressões adequadas às necessidades humanas. Afirmar isso é afirmar que o entendimento das Escrituras é tão progressivo e historicamente determinado quanto a própria revelação feita por Deus.

A igreja precisa, portanto, reconhecer nas Escrituras um fundamento sólido para suas crenças. Mas também precisa compreender que a leitura destas Escrituras são historicamente condicionadas e produzem doutrinas em cada instante da história. Isto revela que a tradição, ou o dogma, não é estático como uma pedra, mas dinâmica vez que movida pelas realidades e peculiaridades históricas. É por isso que um dos lemas propostos pela igreja da Reforma afirmava: “Ecclesia reformata semper reformanda”.

Entre os anglicanos esta renovação da teologia, e portanto, da interpretação – e da formação do próprio dogma - se dá por meio do tripé: Escritura, Razão, Tradição. Esta postura foi um legado da elaboração teológica transmitida pelo eminente teólogo Richard Hooker (1554-1600) no século XVII, na tentativa de criar uma igreja de via média. Desta forma, Hooker tanto procurou evitar a posição romana de que a sola escriptura é insuficiente e que a tradição deve suprir todas as lacuna, mas também a posição puritana de que toda decisão eclesial que não tenha respaldo bíblico é pecaminosa.

Em outras palavras, Hooker foi o responsável pela ênfase na tolerância e na razão na formação teológica. É claro que esta postura ocorreu dentro de um contexto que ficou conhecido como “escolástica protestante”, na qual Filipe Melancthon (1497-1560) entre os luteranos e Teodoro Beza (1519-1605) entre os calvinistas, são seus principais representantes. A “escolástica protestante” foi uma tendência que abandonou a intransigência dos Reformadores frente às sistematizações teológicas e resgatou a visão aristotélica como instrumento no aspecto metodológico e de conteúdo, para a formação teológica.

Parece-nos que a via média de Hooker foi mais adiante do que a “escolástica protestante” porque ele sustentava, simultaneamente, a importância da Razão, das Escrituras e da Tradição. 

Por um lado, nenhum anglicano pode esquecer das palavras do Artigo 6º dos 39 Artigos de Religião que afirmam que as “Sagradas escrituras contém todas as coisas necessárias para a salvação”. Portanto, as escrituras assumem um papel importantíssimo e fundante na teologia anglicana.

Ora, com base neste conteúdo inspirado e dinâmico da Bíblia a igreja acabou por produzir, como resultado de sua comunhão viva com Deus em Cristo, doutrinas e dogmas, liturgias, cânones e uma disciplina e um ensino moral e espiritual. “Este acúmulo da doutrina, disciplina e adoração na Igreja viva, através dos séculos pode ser chamado de Tradição da Igreja” (WTL, 1998, p.41). Este segundo elemento é a segunda base do tripé da teologia anglicana. 

Mas para Hooker havia um terceiro elemento fundamental: a razão ou o bom senso. E outras palavras, ele levou a sério a capacidade do leitor em fazer uma leitura crítica, histórica e contextual das Escrituras, assumindo, inclusive a importância de uma aplicação pastoral desta leitura.

Hooker foi o responsável pela aplicação da noção de “questões indiferentes” – ou adiáphoras – na teologia para combater o puritanismo. Para rebater este pensamento que afirmava que “qualquer coisa introduzida à igreja sem fundamento bíblico, é pecaminoso”, Hooker dizia que “nada que contrarie as escrituras pode ser aceito”. Em outras palavras, Hooker entendia que os puritanos interpretavam mal as Escrituras e que elas permitem à igreja que introduza coisas “indiferentes”, ou seja, coisas não proibidas pelas Escrituras e que a prudência entendia como benéfico para à adoração e o governo da igreja, em determinadas circunstâncias.

Em segundo lugar, Hooker negava que o modelo da igreja do Novo testamento fosse permanente e obrigatório uma vez que as informações advindas das Escrituras sobre este tema eram insuficientes, incompletas e não decisivas.

Sabendo disso, os anglicanos são totalmente reformados ao afirmar a fé da Igreja indivisa resumida nos primeiros quatro Concílios Ecumênicos, mas também não teve qualquer dificuldade em, diante das necessidades que o Movimento Ecumênico do século XIX faziam, estabelecer critérios práticos (não dogmáticos) para este diálogo. Estes critérios passaram a ser chamados de Quadrilátero de Chicago-Lambeth (1886/88).

Da mesma forma, também não teve qualquer dificuldade em, apesar de não haver qualquer referência nos 39 Artigos de religião, ressaltar com bastante força a importância da Sucessão Apostólica, que acabou por assumir um lócus privilegiado na teologia anglicana contemporânea.

Finalmente, a postura “reformada aberta” associada à tese adiáphora, que caracteriza o anglicanismo evita que este movimento assuma uma posição que visa “patrulhar” o pensamento dos teólogos e leigos. Afinal, quando “dogmas” são formulados, os discordantes são identificados como heterodoxos e, portanto, pode ser alvo de qualquer espécie de inquisição. Afinal, como afirmava um antigo companheiro de ministério, “no anglicanismo, discordar é um direito, não um delito”.

Referências bibliográficas

BERKHOF, Louis. A história das doutrinas cristãs. São Paulo: PES, 1992
COHEN, Arthur; HALVERSON, Marvin. A Handbook of Christian theology. World pub: 1980.
HARVEY, Van A. A handbook of theological terms. New York: The Macmillan Company, 1964
LOHSE, Bernhard. A fé cristã através dos tempos. São Leopoldo: Sinodal, 1981.
KELLY, J.N.D. Doutrinas centrais da fé cristã. São Paulo, Vida Nova: 1993
RAMM, Bernard. Diccionario de teologia contemporânea. Casa bautista de publicaciones: sl, 1975.
TEIXEIRA, Alfredo Borges. Dogmática Evangélica. São Paulo: Pendão Real, 1986
The way, the truth and the life: the anglican walk with Jesus christ. Charlottetown, Canada, St Peter Publications: 1998.

quarta-feira, 13 de agosto de 2014

Religião deixa você feliz?



Stephen J. Dubner e Steven D. Levitt 

13/08/2014

Um episódio recente de nosso podcast "Freakonomics Radio", chamado "Religião Deixa Você Feliz?", foi produzido em resposta a uma carta que recebemos de um ouvinte. Joel Rogers, um auditor fiscal em Birmingham, Alabama, escreveu:

"Por serem batistas do Sul devotos, meus pais deram com convicção 10% de sua renda para a igreja durante toda a vida. Eu expressei recentemente minha opinião de que achava que era dar demais, e teve início uma discussão entre meus pais e eu."

"Após um pouco de altercação, meus pais reconheceram que os 10% de dízimo podem não ser o valor exato que 'Deus' espera, mas minha mãe disse algo que chamou minha atenção. Ela disse que os 10% dados à igreja os deixavam mais felizes do que qualquer coisa na qual poderiam ter gasto o dinheiro."

"Eu já li que pessoas que frequentam de forma consistente instituições religiosas são mais felizes que seus pares (que não frequentam). O economista dentro de mim diz que o dinheiro (não dado à igreja) deixaria aquele que não doa mais feliz, igualando as coisas. Logo, trocar 10% de sua renda pelo direito de participar em uma congregação religiosa aumenta ou diminui estatisticamente sua felicidade?"


Rogers está na verdade fazendo duas perguntas. Uma é se dar o dinheiro – neste caso, para uma instituição religiosa – deixa você mais feliz. A outra é se a religião em si deixa você mais feliz. Nenhuma das perguntas é fácil de responder, mas nós fizemos o melhor que podíamos.

Stephen Dubner falou com Laurence Iannaccone, um economista da Universidade Chapman, na Califórnia, que é especializado em economia da religião (e ele é um cristão evangélico). Ele tinha uma resposta direta para a primeira questão de Rogers: "Os dados que dispomos sugerem uma forte associação positiva entre as várias medições de felicidade e bem-estar por um lado, e outras medidas de envolvimento religioso, incluindo doação, por outro".

Logo, quem doa mais, ao menos entre os cristãos nos Estados Unidos? Segundo Iannaccone, as denominações protestantes conservadoras tendem a ser as mais generosas, particularmente as Assembleias de Deus, os Adventistas do Sétimo Dia e as igrejas mórmons, cujos membros doam em média 6% a 7% de sua renda. Os batistas doam em média 3% a 5%, enquanto os católicos, luteranos e episcopais contribuem com 1% às causas religiosas. Geralmente considerados os mais liberais dos cristãos, os unitários também são os menos generosos, doando menos de 1% de sua renda em média.

É claro, só porque há uma correlação entre doação religiosa e felicidade não significa que há causação entre as duas – que o dízimo torna você de fato mais feliz. Como nota Iannaccone, é possível que pessoas mais felizes simplesmente apresentem maior probabilidade de contribuir para sua igreja; ou pode ser que pessoas mais ricas sejam mais felizes, e como suas contas bancárias são maiores, podem doar mais; ou pode ser que pessoas mais felizes sejam mais bem-sucedidas, o que as torna mais ricas e, portanto, mais generosas. Em outras palavras, não é fácil responder à primeira pergunta de Rogers: doar à igreja leva diretamente a um maior contentamento?

Jonathan Gruber, um economista do Instituto de Tecnologia de Massachusetts, sugere lidar com o assunto de modo diferente: estreitando o foco. Em artigo de pesquisa de 2004, intitulado "Pague ou Reze? O Impacto dos Subsídios de Caridade na Frequência Religiosa", Gruber investigou se doar dinheiro a uma igreja é um complemento à frequência religiosa ou um substituto. Seus resultados sugerem que é na verdade um substituto: cada 1% de aumento na doação produz uma redução de 1,1% na frequência à igreja.

Assim, o que tudo isso significa para a família de Rogers que adora a igreja? Gruber disse para Dubner: "Se ir à igreja é o que importa para eles, para sua felicidade e bem-estar, então eles deveriam doar menos e ir mais".

Mas e quanto à segunda pergunta e, no final, mais profunda, de Rogers: a religião por si só torna as pessoas mais felizes?

Aqui também é incrivelmente difícil provar a causação, mas Gruber descobriu uma solução nova, apesar de imperfeita. Para um artigo de 2005 intitulado "Estrutura de Mercado Religiosa, Participação Religiosa e Resultados: a Religião É Boa para Você?", Gruber olhou para pesquisas sociológicas anteriores mostrando que pessoas são mais religiosas quando vivem em áreas com mais pessoas da mesma religião (isto é, os católicos são mais católicos em Boston e os luteranos são mais luteranos em Minneapolis). Colocando a densidade étnica na mistura, ele determinou que os católicos poloneses são mais religiosos em Boston do que são em, digamos, Minneapolis (já que há mais deles na primeira cidade), e que, igualmente, os suecos luteranos são mais religiosos em Minneapolis do que em Boston.

Ao mesmo tempo, Gruber encontrou uma "forte correlação" entre pessoas que vivem entre grandes grupos de sua própria etnia (como os poloneses em Boston) e uma série de resultados positivos, incluindo rendas maiores, maior escolaridade e casamentos mais estáveis. O difícil era provar que isso tinha a ver com a maior participação religiosa e não simplesmente por esses grupos viverem ao lado de mais pessoas semelhantes. Gruber fez isso mostrando que os suecos que vivem entre muitos outros suecos se comportam de modo muito semelhante a aqueles que não – exceto no que se refere à observância religiosa – e o que o mesmo vale para os poloneses. Ele também demonstrou que o agrupamento de grupos étnicos diferentes que compartilham uma religião (como poloneses e italianos) pode produzir resultados igualmente positivos.

Logo, como exatamente a religião aumenta a prosperidade de alguém? Gruber argumenta que uma igreja ou sinagoga age como uma "rede social" que oferece uma forma de "seguro contra coisas ruins que possam acontecer a você". Se as pessoas adoecem, perdem seus empregos, se divorciam e assim por diante, elas podem ir à igreja e encontrar ajuda e consolo.

O argumento de Gruber está longe de inatacável – um fato que ele prontamente admite. "É importante que seus ouvintes entendam que, você sabe, a vida não é preto e branco, e às vezes há respostas mais claras que outras, e às vezes temos um teste aleatório e às vezes não", ele disse a Dubner. "E, na vida, você precisa decidir se a questão que você deseja responder é importante o bastante, mesmo que a resposta não seja tão clara quanto você gostaria."

E quanto ao próprio Gruber? A pesquisa dele reacendeu qualquer paixão pelo judaísmo de sua juventude? Não muito. "Eu era meio que forçado a ir ao templo quando era menino e me cansei disso. Eu tentei, mas não adiantou. Então decidi que não iria fingir para continuar indo."

(Stephen J. Dubner e Steven D. Levitt são autores de "Think Like a Freak", assim como de "Freakonomics: O Lado Oculto e Inesperado de Tudo Que Nos Afeta" e "Superfreakonomics: O Lado Oculto do Dia a Dia". Para mais informação, visite o site Freakonomics.com. Assine ao podcast "Freakonomics Radio" no iTunes ou ouça em Freakonomics.com/radio.)

Tradutor: George El Khouri Andolfato