terça-feira, 8 de dezembro de 2015

Chomsky e as 10 Estratégias de Manipulação Midiática

O lingüista estadunidense Noam Chomsky elaborou a lista das “10 estratégias de manipulação” através da mídia:


1- A ESTRATÉGIA DA DISTRAÇÃO.



O elemento primordial do controle social é a estratégia da distração que consiste em desviar a atenção do público dos problemas importantes e das mudanças decididas pelas elites políticas e econômicas, mediante a técnica do dilúvio ou inundações de contínuas distrações e de informações insignificantes. A estratégia da distração é igualmente indispensável para impedir ao público de interessar-se pelos conhecimentos essenciais, na área da ciência, da economia, da psicologia, da neurobiologia e da cibernética. “Manter a atenção do público distraída, longe dos verdadeiros problemas sociais, cativada por temas sem importância real. Manter o público ocupado, ocupado, ocupado, sem nenhum tempo para pensar; de volta à granja como os outros animais (citação do texto 'Armas silenciosas para guerras tranqüilas')”.



2- CRIAR PROBLEMAS, DEPOIS OFERECER SOLUÇÕES.



Este método também é chamado “problema-reação-solução”. Cria-se um problema, uma “situação” prevista para causar certa reação no público, a fim de que este seja o mandante das medidas que se deseja fazer aceitar. Por exemplo: deixar que se desenvolva ou se intensifique a violência urbana, ou organizar atentados sangrentos, a fim de que o público seja o mandante de leis de segurança e políticas em prejuízo da liberdade. Ou também: criar uma crise econômica para fazer aceitar como um mal necessário o retrocesso dos direitos sociais e o desmantelamento dos serviços públicos.



3- A ESTRATÉGIA DA GRADAÇÃO.



Para fazer com que se aceite uma medida inaceitável, basta aplicá-la gradativamente, a conta-gotas, por anos consecutivos. É dessa maneira que condições socioeconômicas radicalmente novas (neoliberalismo) foram impostas durante as décadas de 1980 e 1990: Estado mínimo, privatizações, precariedade, flexibilidade, desemprego em massa, salários que já não asseguram ingressos decentes, tantas mudanças que haveriam provocado uma revolução se tivessem sido aplicadas de uma só vez.



4- A ESTRATÉGIA DO DEFERIDO.



Outra maneira de se fazer aceitar uma decisão impopular é a de apresentá-la como sendo “dolorosa e necessária”, obtendo a aceitação pública, no momento, para uma aplicação futura. É mais fácil aceitar um sacrifício futuro do que um sacrifício imediato. Primeiro, porque o esforço não é empregado imediatamente. Em seguida, porque o público, a massa, tem sempre a tendência a esperar ingenuamente que “tudo irá melhorar amanhã” e que o sacrifício exigido poderá ser evitado. Isto dá mais tempo ao público para acostumar-se com a idéia de mudança e de aceitá-la com resignação quando chegue o momento.



5- DIRIGIR-SE AO PÚBLICO COMO CRIANÇAS DE BAIXA IDADE.



A maioria da publicidade dirigida ao grande público utiliza discurso, argumentos, personagens e entonação particularmente infantis, muitas vezes próximos à debilidade, como se o espectador fosse um menino de baixa idade ou um deficiente mental. Quanto mais se intente buscar enganar ao espectador, mais se tende a adotar um tom infantilizante. Por quê? “Se você se dirige a uma pessoa como se ela tivesse a idade de 12 anos ou menos, então, em razão da sugestão, ela tenderá, com certa probabilidade, a uma resposta ou reação também desprovida de um sentido crítico como a de uma pessoa de 12 anos ou menos de idade (ver “Armas silenciosas para guerras tranqüilas”)”.



6- UTILIZAR O ASPECTO EMOCIONAL MUITO MAIS DO QUE A REFLEXÃO.



Fazer uso do aspecto emocional é uma técnica clássica para causar um curto circuito na análise racional, e por fim ao sentido critico dos indivíduos. Além do mais, a utilização do registro emocional permite abrir a porta de acesso ao inconsciente para implantar ou enxertar idéias, desejos, medos e temores, compulsões, ou induzir comportamentos…



7- MANTER O PÚBLICO NA IGNORÂNCIA E NA MEDIOCRIDADE.



Fazer com que o público seja incapaz de compreender as tecnologias e os métodos utilizados para seu controle e sua escravidão. “A qualidade da educação dada às classes sociais inferiores deve ser a mais pobre e medíocre possível, de forma que a distância da ignorância que paira entre as classes inferiores às classes sociais superiores seja e permaneça impossível para o alcance das classes inferiores (ver ‘Armas silenciosas para guerras tranqüilas’)”.



8- ESTIMULAR O PÚBLICO A SER COMPLACENTE NA MEDIOCRIDADE.



Promover ao público a achar que é moda o fato de ser estúpido, vulgar e inculto…



9- REFORÇAR A REVOLTA PELA AUTOCULPABILIDADE.



Fazer o indivíduo acreditar que é somente ele o culpado pela sua própria desgraça, por causa da insuficiência de sua inteligência, de suas capacidades, ou de seus esforços. Assim, ao invés de rebelar-se contra o sistema econômico, o individuo se auto-desvalida e culpa-se, o que gera um estado depressivo do qual um dos seus efeitos é a inibição da sua ação. E, sem ação, não há revolução!



10- CONHECER MELHOR OS INDIVÍDUOS DO QUE ELES MESMOS SE CONHECEM.


No transcorrer dos últimos 50 anos, os avanços acelerados da ciência têm gerado crescente brecha entre os conhecimentos do público e aquelas possuídas e utilizadas pelas elites dominantes. Graças à biologia, à neurobiologia e à psicologia aplicada, o “sistema” tem desfrutado de um conhecimento avançado do ser humano, tanto de forma física como psicologicamente. O sistema tem conseguido conhecer melhor o indivíduo comum do que ele mesmo conhece a si mesmo. Isto significa que, na maioria dos casos, o sistema exerce um controle maior e um grande poder sobre os indivíduos do que os indivíduos a si mesmos.

**** TEXTO ATRIBUÍDO A NOAM CHOMSKI E CIRCULA LIVREMENTE NA INTERNET.

domingo, 6 de dezembro de 2015

Quem escreveu a Bíblia?

QUEM ESCREVEU A BÍBLIA? Bart D. Ehrman [1]

O livro coloca em cheque duas questões: a) o método histórico-gramatical de exegese bíblica; b) a tese fundamentalista da “inerrância” das escrituras. Em síntese, o conceito de Bíblia como “Palavra de Deus”. E o motivo para derrubar essas duas teses é a “prova das falsificações de autoria”, principalmente no Segundo Testamento. Se os evangelhos ou epístolas foram falsificados, não é possível ler como “Palavra de Deus” como verdade! Nem toda a escritura é inspirada por Deus porque os leitores foram deliberadamente enganados. Entenda-se falsificações de autoria quando alguém escreve, p.ex., fazendo-se passar pelo apóstolo Paulo. Está claro que essa falsificação não pode ser “inspirada”.

Sem entrar em detalhes aqui, o foco não está nos Evangelhos. Ele cita como exemplos clássicos de falsa autoria as epístolas de I e II Pedro, II Tessalonicenses, Efésios, Colossenses, I e II Timóteo e Tito (colocando no mesmo nível daqueles livros que não entraram no cânon pelas mesmas suspeitas).

Os motivos bem conhecidos – para quem tem interesse pela pesquisa – e que colocam em dúvida a autoria das referidas cartas são: vocabulário do verdadeiro autor, estilo, tema, quantidade de palavras, data, local, etc. Determinadas carta foram escritas mais de cinquenta ou cem anos após a morte do suposto autor. Outras cartas se opõe entre si nas instruções aos leitores como se o autor tivesse mudado de ideia no momento seguinte. 

Por esses e outros motivos, o edifício do método histórico-gramatical de exegese bíblica e a inerrância das Escrituras são demolidos definitivamente. Não é possível uma homilia baseada num texto escrito com intuito de enganar os leitores. As diversas tentativas de argumentar que são autores homônimos, que utilizam pseudônimo, que as comunidades editaram os textos, que foi utilizada a “autoridade” do autor ou a mesma escola de pensamento, não se sustentam se feito um exame mais apurado (há vasta e séria literatura).

Sim, foi possível que diversas falsificação de autoria de um livro cristão entrasse na Bíblia. Isso demonstra que o Espírito Santo não esteve envolvido no processo e a Bíblia é um livro totalmente humano. Se na época da formação do atual cânon bíblicos os parâmetros das escolhas não foram tão exigentes por motivos claros, hoje nós temos o desafio – por honestidade cristã - de excluí-los do cânon.


Aroldo da Cruz Lara

Bart Ehrman é norte-americano, PHD e Mestre em Teologia, autor de diversos livros na mesma temática. Sua trajetória começa na igreja congregacional passando pela igreja episcopal. Ele mesmo diz que foi um cristão renascido e fervoroso - até descobrir a verdade.




[1] ERHMAN, BART D. Quem Escreveu a Bíblia? Por que os autores da Bíblia não são quem pensamos que são. Tradução Alexandre Martins. Editora Agir. Rio de Janeiro. 2013.

sexta-feira, 13 de novembro de 2015

Religião deixa você feliz?


Stephen J. Dubner e Steven D. Levitt
13/08/2014



Um episódio recente de nosso podcast "Freakonomics Radio", chamado "Religião Deixa Você Feliz?", foi produzido em resposta a uma carta que recebemos de um ouvinte. Joel Rogers, um auditor fiscal em Birmingham, Alabama, escreveu:

"Por serem batistas do Sul devotos, meus pais deram com convicção 10% de sua renda para a igreja durante toda a vida. Eu expressei recentemente minha opinião de que achava que era dar demais, e teve início uma discussão entre meus pais e eu."

"Após um pouco de altercação, meus pais reconheceram que os 10% de dízimo podem não ser o valor exato que 'Deus' espera, mas minha mãe disse algo que chamou minha atenção. Ela disse que os 10% dados à igreja os deixavam mais felizes do que qualquer coisa na qual poderiam ter gasto o dinheiro."

"Eu já li que pessoas que frequentam de forma consistente instituições religiosas são mais felizes que seus pares (que não frequentam). O economista dentro de mim diz que o dinheiro (não dado à igreja) deixaria aquele que não doa mais feliz, igualando as coisas. Logo, trocar 10% de sua renda pelo direito de participar em uma congregação religiosa aumenta ou diminui estatisticamente sua felicidade?"


Rogers está na verdade fazendo duas perguntas. Uma é se dar o dinheiro – neste caso, para uma instituição religiosa – deixa você mais feliz. A outra é se a religião em si deixa você mais feliz. Nenhuma das perguntas é fácil de responder, mas nós fizemos o melhor que podíamos.

Stephen Dubner falou com Laurence Iannaccone, um economista da Universidade Chapman, na Califórnia, que é especializado em economia da religião (e ele é um cristão evangélico). Ele tinha uma resposta direta para a primeira questão de Rogers: "Os dados que dispomos sugerem uma forte associação positiva entre as várias medições de felicidade e bem-estar por um lado, e outras medidas de envolvimento religioso, incluindo doação, por outro".

Logo, quem doa mais, ao menos entre os cristãos nos Estados Unidos? Segundo Iannaccone, as denominações protestantes conservadoras tendem a ser as mais generosas, particularmente as Assembleias de Deus, os Adventistas do Sétimo Dia e as igrejas mórmons, cujos membros doam em média 6% a 7% de sua renda. Os batistas doam em média 3% a 5%, enquanto os católicos, luteranos e episcopais contribuem com 1% às causas religiosas. Geralmente considerados os mais liberais dos cristãos, os unitários também são os menos generosos, doando menos de 1% de sua renda em média.

É claro, só porque há uma correlação entre doação religiosa e felicidade não significa que há causação entre as duas – que o dízimo torna você de fato mais feliz. Como nota Iannaccone, é possível que pessoas mais felizes simplesmente apresentem maior probabilidade de contribuir para sua igreja; ou pode ser que pessoas mais ricas sejam mais felizes, e como suas contas bancárias são maiores, podem doar mais; ou pode ser que pessoas mais felizes sejam mais bem-sucedidas, o que as torna mais ricas e, portanto, mais generosas. Em outras palavras, não é fácil responder à primeira pergunta de Rogers: doar à igreja leva diretamente a um maior contentamento?

Jonathan Gruber, um economista do Instituto de Tecnologia de Massachusetts, sugere lidar com o assunto de modo diferente: estreitando o foco. Em artigo de pesquisa de 2004, intitulado "Pague ou Reze? O Impacto dos Subsídios de Caridade na Frequência Religiosa", Gruber investigou se doar dinheiro a uma igreja é um complemento à frequência religiosa ou um substituto. Seus resultados sugerem que é na verdade um substituto: cada 1% de aumento na doação produz uma redução de 1,1% na frequência à igreja.

Assim, o que tudo isso significa para a família de Rogers que adora a igreja? Gruber disse para Dubner: "Se ir à igreja é o que importa para eles, para sua felicidade e bem-estar, então eles deveriam doar menos e ir mais".

Mas e quanto à segunda pergunta e, no final, mais profunda, de Rogers: a religião por si só torna as pessoas mais felizes?

Aqui também é incrivelmente difícil provar a causação, mas Gruber descobriu uma solução nova, apesar de imperfeita. Para um artigo de 2005 intitulado "Estrutura de Mercado Religiosa, Participação Religiosa e Resultados: a Religião É Boa para Você?", Gruber olhou para pesquisas sociológicas anteriores mostrando que pessoas são mais religiosas quando vivem em áreas com mais pessoas da mesma religião (isto é, os católicos são mais católicos em Boston e os luteranos são mais luteranos em Minneapolis). Colocando a densidade étnica na mistura, ele determinou que os católicos poloneses são mais religiosos em Boston do que são em, digamos, Minneapolis (já que há mais deles na primeira cidade), e que, igualmente, os suecos luteranos são mais religiosos em Minneapolis do que em Boston.

Ao mesmo tempo, Gruber encontrou uma "forte correlação" entre pessoas que vivem entre grandes grupos de sua própria etnia (como os poloneses em Boston) e uma série de resultados positivos, incluindo rendas maiores, maior escolaridade e casamentos mais estáveis. O difícil era provar que isso tinha a ver com a maior participação religiosa e não simplesmente por esses grupos viverem ao lado de mais pessoas semelhantes. Gruber fez isso mostrando que os suecos que vivem entre muitos outros suecos se comportam de modo muito semelhante a aqueles que não – exceto no que se refere à observância religiosa – e o que o mesmo vale para os poloneses. Ele também demonstrou que o agrupamento de grupos étnicos diferentes que compartilham uma religião (como poloneses e italianos) pode produzir resultados igualmente positivos.

Logo, como exatamente a religião aumenta a prosperidade de alguém? Gruber argumenta que uma igreja ou sinagoga age como uma "rede social" que oferece uma forma de "seguro contra coisas ruins que possam acontecer a você". Se as pessoas adoecem, perdem seus empregos, se divorciam e assim por diante, elas podem ir à igreja e encontrar ajuda e consolo.

O argumento de Gruber está longe de inatacável – um fato que ele prontamente admite. "É importante que seus ouvintes entendam que, você sabe, a vida não é preto e branco, e às vezes há respostas mais claras que outras, e às vezes temos um teste aleatório e às vezes não", ele disse a Dubner. "E, na vida, você precisa decidir se a questão que você deseja responder é importante o bastante, mesmo que a resposta não seja tão clara quanto você gostaria."

E quanto ao próprio Gruber? A pesquisa dele reacendeu qualquer paixão pelo judaísmo de sua juventude? Não muito. "Eu era meio que forçado a ir ao templo quando era menino e me cansei disso. Eu tentei, mas não adiantou. Então decidi que não iria fingir para continuar indo."

(Stephen J. Dubner e Steven D. Levitt são autores de "Think Like a Freak", assim como de "Freakonomics: O Lado Oculto e Inesperado de Tudo Que Nos Afeta" e "Superfreakonomics: O Lado Oculto do Dia a Dia". Para mais informação, visite o site Freakonomics.com. Assine ao podcast "Freakonomics Radio" no iTunes ou ouça em Freakonomics.com/radio.)
Tradutor: George El Khouri Andolfato

quarta-feira, 11 de novembro de 2015

Uma Nova Religião? Solidariedade (Umberto Eco)


Os refugiados e uma nova religião com base na solidariedade



A solidariedade para com as pessoas em busca de asilo na Europa não surgiu em um único dia. Ela vinha ardendo sob a superfície há algum tempo. Mas foi preciso uma foto de uma criança síria afogada –e uma corajosa chanceler alemã– para que ganhasse voz


Matteo Salvani, o líder do xenofóbico partido Liga do Norte da Itália, estava certo quando comentou recentemente que a hábil chanceler da Alemanha, Angela Merkel, fechou um acordo de primeira ao acolher dezenas de milhares de sírios, muitos deles profissionais com alta escolaridade, para ajudar a estimular o produto interno bruto de seu país. E, ele acrescentou, o restante da Europa pode ficar com as sobras.



Mas uma pergunta vem à mente: por que um homem tão astuto como Salvani não pensou nisso primeiro? Afinal, há muitos milhares de sírios aqui na Itália. Além disso, é tão difícil imaginar que poderíamos encontrar mais que alguns poucos imigrantes com boa escolaridade entre os outros grupos étnicos? Por exemplo, eu encontro com frequência homens senegaleses vendendo guarda-chuvas e malas nas ruas de Milão, que falam francês e italiano com fluência e dizem ter cursado a faculdade.



Décadas de democracia alemã não apagaram totalmente a imagem na consciência do Ocidente do alemão intransigente gritando "kaput". Esse fantasma horrendo pareceu ressurgir durante a recente crise da dívida grega. Mas Merkel conseguiu transformar essa imagem nacional terrível em uma compassiva: um alemão (ou austríaco) sorridente pronto para acolher famílias de refugiados (e não apenas os sírios com diploma superior), fornecer necessidades vitais ou mesmo uma simples carona em seu carro.



A esta altura parece que Merkel selou o acordo, apesar dos problemas que surgiram com o fornecimento de moradia e alimentação para milhares de recém-chegados. Ela também está enfrentando críticas cada vez maiores por parte do público alemão e dos políticos do país, inclusive de seu próprio partido, pela forma como ela lidou com a crise. Mesmo assim, ela continua defendendo sua decisão.



Mas a compaixão dela em relação aos imigrantes não é boa apenas para a economia; ela representa algo bem mais profundo. Isso ficou claro no início de setembro, quando o mundo viu pela primeira vez a foto de Aylan Kurdi, o menino sírio de 3 anos encontrado afogado em uma praia em Bodrum, Turquia.



Em uma conferência de mídia realizada posteriormente naquele mês na Riviera italiana, o jornalista Mario Calabresi observou que uma foto sozinha não justifica a conversão global instantânea.



Mas, ele explicou, pode-se chegar a um momento crítico após uma quantidade significativa de tensão e desconforto acumulada com o tempo. Nesses momentos, uma imagem sozinha pode provocar uma transformação profunda. Isso já aconteceu antes na história. No caso do jovem Aylan, um senso de solidariedade estava ardendo sob a superfície há anos.



Pense nisso como uma nova religiosidade. Hoje, as religiões tradicionais estão em crise e com frequência em conflito umas com as outras, mas essa nova solidariedade supera as divisões entre cristãos católicos, protestantes e ortodoxos. Pode até mesmo superar as divisões entre cristãos e muçulmanos. O papa Francisco se tonou um intérprete dessa nova religiosidade ao pedir para que cada paróquia, comunidade religiosa ou mosteiro ajudasse e abrigasse ao menos uma família de refugiados.



Por anos as pessoas se preocuparam com o desaparecimento dos centros educacionais tradicionais para jovens, independentemente de serem administrados pela Igreja ou vários partidos políticos, e a solidariedade social que forneciam. Mas, pouco a pouco, uma sensibilidade semelhante vem sendo cultivada, mesmo sem eles.



Na Itália, vimos os primeiros sinais dessa camaradagem quando Florença foi atingida por enchentes em 1966, e centenas de jovens de todo o país –e de todo o mundo– vieram à cidade atingida para retirar livros da lama na Biblioteca Nacional. Mais recentemente, vimos evidência desse fenômeno na Médicos Sem Fronteiras, voluntários que foram à África e nos centenas de estudantes trabalhando sem remuneração em vários festivais culturais.



Essa solidariedade está destinada a durar? Não sei, mas certamente ela é alimentada pelo comportamento miserável de outros. Em termos de seu poder e amplitude, ela será capaz de superar as ondas de xenofobia que agora correm por toda a Europa? Talvez devêssemos lembrar que as primeiras comunidades cristãs eram minúsculas em comparação ao paganismo triunfante que as cercava.



Essa nova religião da solidariedade sem dúvida terá seus mártires, e não é preciso procurar muito para perceber que muitas pessoas estão preparadas para derramar sangue para sufocá-la. Mas talvez sejam elas, e não os imigrantes, que serão detidas.



Fonte: http://noticias.uol.com.br/blogs-e-colunas/coluna/umberto-eco/2015/10/31/os-refugiados-e-uma-nova-religiao-com-base-na-solidariedade.htm

Tradutor: George El Khouri Andolfato

UMBERTO ECO

Umberto Eco é professor de semiótica, crítico literário e romancista. É autor de "O Nome da Rosa" e "O Pêndulo de Foucalt".

sábado, 2 de maio de 2015

Catedral Anglicana de São Paulo obtém vitória em processo movido pela IEAB

Boa Notícia! A Catedral Anglicana de São Paulo acaba de obter decisão jurídica favorável em primeira instância referente ao processo movido pela IEAB a respeito do seu patrimônio e uso da expressão "anglicana":
 
28/04/2015 Julgada improcedente a ação
 
Ante o exposto e tudo o mais que dos autos consta, com fundamento no art. 269, inciso I, do Código de Processo Civil, JULGO IMPROCEDENTE O PEDIDO INICIAL. Deixo de impor penalidade, porquanto não reconhecida situação de litigância de má-fé. Por fim, condeno a parte vencida ao pagamento das despesas processuais e de honorários advocatícios, que ora arbitro, por equidade, nos termos do art. 20, parágrafo quarto, do Código de Processo Civil, em R$3.000,00 (três mil reais). Custas "ex lege". P.R.I.C.
 
Obs.: A consulta processual é pública e qualquer pessoa pode ter acesso aos Autos no balcão da Vara. Mas somente um advogado pode fazer carga (levar o processo).
 
Processo: 0033205-63.2013.8.26.0002
Classe: Procedimento Ordinário
Área: Cível
Assunto: Defeito, nulidade ou anulação
Local Físico: 03/02/2015 00:00 - Gabinete do Juiz
Distribuição: Livre - 16/05/2013 às 10:19
3ª Vara Cível - Foro Regional II - Santo Amaro
Juiz: Fabrício Stendard
Valor da ação: R$ 1.000,00
Portal de Serviços e-SAJ
esaj.tjsp.jus.br

terça-feira, 20 de janeiro de 2015

Nietzsche e o Cristianismo

Autor: OSWALDO GIACÓIA JR

Fonte:  http://revistacult.uol.com.br/home/2010/03/nietzsche-e-o-cristianismo/
Interessa ao filósofo não a verdade histórica, ou seja, o texto da verdadeira pregação do Cristo, mas a reconstituição de seu tipo psicológico.
  
Que possibilidades restam hoje para um diálogo entre Nietzsche e o Cristianismo? Tomemos a frase de O anticristo que, de imediato, nos lança no campo filológico das relações entre texto e interpretação: “Eu volto atrás. Conto a autêntica história do Cristianismo (des Chirstenthums). Já a palavra ‘Cristianismo’ (Christenthum) é um mal entendido – no fundo houve um único cristão, e este morreu na cruz. O ‘Evangelho’ morreu na cruz.”1.

O Cristianismo (Christenthum) é um mal entendido porque resulta de uma falsa interpretação do Evangelho, da vida de Jesus de Nazaré. “O ‘Evangelho’ morreu na cruz” – isso significa que o mal entendido consiste na fé cristã, tal como esta se apresenta no Cristianismo histórico. Desvirtua-se a Boa Nova de Jesus, considerando-a sob a óptica teológica do pecado, da culpa e do castigo; tomando-o como vítima expiatória de um sacrifício vicário.

Nietzsche estabelece uma oposição entre Christenthum (Cristianismo) e Christlichkeit e Christ-sein (respectivamente Cristianicidade e ser-cristão). O Cristianismo ‘oficial’ consiste na redução do Ser-cristão, da espiritualidade própria à Cristianicidade, a dogmas, fundamento da crença eclesiástica.

“Reduzir o Ser-cristão, a Cristianicidade a um ter-por-verdadeiro, a uma mera fenomenalidade da consciência, significa negar a Cristianidade. De fato não houve em absoluto cristãos. O ‘cristão’, aquilo que há dois milênios se chama cristão, é meramente um mal entendido psicológico.!”2?

A Cristianicidade não se expressaria em estatutos, organização institucional com cerimônias e rituais; ela consiste antes numa práxis, num fazer e se abster, numa forma de ser.3? A Christlichkeit é uma condição natural de vida, não uma causalidade psicológica, ativada por crenças e estados mentais. Para Nietzsche,  essa práxis – esta é autêntica Boa-Nova.

O Cristianismo (das Christenthum), por oposição a isso, é uma religiosidade da fé. “Estados de consciência, alguma crença, um ter-por-verdadeiro, por exemplo – todo psicólogo o sabe –, são, com efeito, estados completamente indiferentes e de quinta ordem considerados em relação ao valor dos instintos: dito de maneira mais rigorosa, o inteiro conceito de causalidade espiritual é falso.”4?

Porque considera real uma causalidade imaginária, o Cristianismo dogmático degenera a práxis cristã; esse é o sentido da frase: De fato não houve em absoluto cristãos. Essa degeneração resulta de uma interpretação falsificadora. O ‘cristão’ é aquele cuja forma de vida é pretensamente determinada pelo que se acredita, por artigos de fé, pela verdade revelada.

O anticristo visa resgatar a Cristianicidade. A reconstituição da autenticidade perdida, cujos traços desfigurados ainda se conservam nos Evangelhos, é o resultado de uma refinada hermenêutica que, desfazendo o mal entendido, traz à luz o ‘verdadeiro tipo psicológico do Redentor’. Trata-se de uma confusão entre o que Jesus de Nazaré pregou e o modo como foi sentido e interpretado. O equívoco talvez só desaparecesse com o rigoroso exame histórico dos textos, empregando-se métodos científicos para apurar a “verdade sobre o que ele fez, disse, sobre como ele propriamente morreu”.5?

Nada mais longe, porém, dos propósitos de Nietzsche. Usar os métodos científicos sobre o que foi “traditado” pelos Evangelhos seria cometer um atentado filológico. Quando os documentos essenciais são Heiligen-Legenden (legendas sagradas), a cientificidade é fracasso antecipado, ociosidade erudita.6?

Interessa a Nietzsche não a verdade histórica, ou seja, o texto da verdadeira pregação do Cristo, mas a reconstituição de seu tipo psicológico. É a pergunta genealógica pela personalidade que poderia ter vivido e ensinado aquilo que os Evangelhos a ele atribuem que desfaz o mal entendido. “O que a mim me importa é o tipo psicológico do Redentor. Este poderia, com efeito, estar contido nos Evangelhos, apesar dos Evangelhos, ainda que muito mutilado ou sobrecarregado com traços estranhos.”7?

Como agiografia, os Evangelhos são, para Nietzsche, um gênero literário. Eles fornecem o palimpsesto para o trabalho filológico, do qual brota uma “re-interpretação” do perfil psicológico de Jesus. A hermenêutica do Anticristo consiste, por um lado, em despojar o tipo psicológico do Redentor de traços alheios com os quais foi sobrecarregado e, de outro lado, em reparar as mutilações que o desfiguram.

“Não é com erudição filológica e com metodologia que Nietzsche quer se aproximar da figura de Jesus, mas por meio de uma reconstituição de seu tipo psicológico [...] Nietzsche se coloca perante a tradição evangélica de modo inteiramente crítico. No entanto, como obtém ele a figura positiva de Jesus, o tipo psicológico do Redentor? Duas passagens bíblicas ofereceram-lhe claramente um ponto de ancoragem8?; por que essas duas, não o esclarece o próprio Nietzsche. A despeito de seu professado rigor de fisiólogo, é necessário constatar: a reconstrução ou re—cons–tituição do tipo do Redentor funda-se em conhecimento intuitivo, em intuição (Einfühlung).”9?

Nietzsche intui os traços da vida e do ethos de Jesus para, a partir daí, liberá-lo dos acréscimos incompatíveis com sua natureza. Essa intuição congenial é viabilizada pela literatura. É por meio dessa fonte que se pode compreender por que Nietzsche resume o essencial do Evangelho nos dois versículos de Mateus e Lucas acima mencionados. Numa passagem de Ma Religion escreve Tolstoi: Le passage qui devint pour moi la clef de tout fut celui qui est renfermé dans les 38e. E 39e. Versets de Math. V: Vous avez appris qu’il a été dit: œil pour œil et dent pour dent; et moi, je vous dit de ne point résister au mal que l’ont veut vous faire.10? Nietzsche complementa: “O reino de Deus está dentro de vós”; “Não resistais ao mal” (Lucas XVII, 21 e V, 39); nisso ele discerne a medula espiritual do autêntico ensinamento de Jesus, a única doutrina compatível com seu tipo psicológico. O acesso é franqueado pela literatura:

“Conheço apenas um único psicólogo que viveu num mundo onde o Cristianismo é possível, onde um Cristo pode surgir a qualquer instante… É Dostoievski. Ele adivinhou Cristo: e ele permaneceu sobretudo instintivamente protegido de se representar esse tipo com a vulgaridade de um Renan.”11?

Para Nietzsche, Jesus pregara uma religião do amor, um budismo dos inocentes de Deus, para quem a bem-aventurança consistiria na vivência atemporal da realidade interior, na fuga de qualquer rigidez moralista. “Que significa a ‘Boa Nova’? A vida verdadeira, a vida eterna foi encontrada – ela não é prometida, está aqui, está dentro de vós: como vida no amor, no amor sem subtração, nem exclusão, nem distância. Todos são filhos de Deus – Jesus não reclama nada exclusivamente para si –, enquanto filho de Deus, todo homem é igual ao outro.”12? Aqui não são firmados artigos de fé; trata-se, antes, de uma prática evangélica13? de comunhão com o “Pai” e com o próximo. O mundo externo adquire a consistência diáfana da parábola, alegoria da verdadeira realidade interna, sem pecado, culpa ou expiação.

Sem distância entre o homem e Deus, apenas a comunhão universal na inocência, como na pureza das crianças (‘Olhai os lírios do campo’; ‘contemplai as aves do céu’).

A vida, a mensagem e a morte do Redentor não eram, para Nietzsche, senão essa prática, nenhuma fórmula, nenhum rito, nenhum cerimonial.

“O ‘reino de Deus’ é um estado do coração – não algo situado ‘acima da terra’ ou a que se chegue ‘depois da morte’ –, a hora, o tempo, a vida física e suas crises não existem em absoluto para o Mestre da Boa Nova… O reino de Deus não é algo que se aguarde, não tem um ontem, nem um “além de amanhã”, não chega ‘dentro de mil anos’ – é uma experiência em um coração, está em toda parte, não está em lugar algum.”14?

Essa ventura suprema, que transpõe o abismo entre Deus e homem, assim como entre os homens, conduziu Jesus à morte, em conseqüência da pregação. O que dela permanece não é uma doutrina, mas um ethos perante os acusadores, a não-resistência ao ódio, mesmo à morte na cruz, antes compadecer-se de quem pratica o mal contra si.

“As palavras ditas ao ladrão na cruz contêm todo o Evangelho. Este foi, em verdade, um homem divino, um ‘filho de Deus’, diz o ladrão. Se tu sentes isso – responde o Redentor –, então também estás no Paraíso, és tu também um filho de Deus… Não se defender, não se encolerizar, não tornar responsável, não opor resistência, nem sequer ao mau, amá-lo.”15?

Em jargão político, Jesus seria, para Nietzsche, um “santo anarquista”16, que atraíra o povo simples, os ‘pecadores’ e excluídos do Judaísmo oficial, em conjuração contra a ordem dominante; pois a linguagem empregada por ele, “caso fosse para confiar nos Evangelhos, ainda hoje também teria conduzido à Sibéria”.17? Para seus contemporâneos, sua pregação o tornava um contestador político da ordem vigente. Contradição, porém, que não se encontrava nele, mas em sua interpretação.

Para Nietzsche, Jesus não era um revolucionário, e sim, ‘com alguma tolerância na expressão’, um espírito livre. Que essa tolerância não lhe deve ser imputada apenas a descrédito, pode-se depreendê-lo da psicologia do ressentimento. Segundo Nietzsche, o espírito que se tornou livre teve de amargar em si muita negatividade, já que não se libertou sem ter ultrapassado muito de seus mais arraigados preconceitos. Jesus, porém, não valora negativamente homem e mundo. Consideradas as coisas mais de perto, afirma Nietzsche, “jamais teve ele um motivo para negar o mundo, ele jamais cogitou do conceito eclesiástico do mundo. Precisamente a negação é para ele inteiramente impossível”.18?

Aqui seria oportuno cotejar o tipo psicológico do Redentor com a valoração moral escrava e ressentida, tal como essa se apresenta em Para a genealogia da moral. Nessa obra, ao descrever a dupla gênese da oposição entre Bem e Mal, Nietzsche assim diferencia a moral afirmativa dos senhores da moral negativa dos escravos:

“Toda moral nobre brota de um triunfante dizer sim a si próprio, a moral dos escravos diz não, logo de início, a um ‘fora’, a um ‘outro’, a um ‘não si mesmo’: e esse não é seu ato criador. Essa inversão do olhar que põe valores – essa direção necessária para fora, em vez de voltar-se para si próprio – pertence justamente ao ressentimento: a moral dos escravos precisa sempre, para surgir, de um mundo oposto e exterior – sua ação é, desde o fundamento, por reação”.19?

Ao tipo psicológico do Redentor não pertence negatividade, oposição, nem também o ressentimento. Sua práxis é, pois, afirmativa, tendo sua fonte na vivência da bem-aventurança interior. Nele, a liberdade espiritual é a libertação do espírito de vingança. Ora, espírito de vingança é, para Nietzsche, torturante prisão e impotência. Sendo assim, a vida de Jesus é um caso paradoxal: depurado do espírito de vingança, a práxis evangélica não constitui uma modalidade de ressentimento; vivendo de sua própria plenitude, ela se configura como afirmativa, porém numa ambiência histórico-espiritual de negatividade. Isso a aproxima do Budismo, na medida em que nesse se valoriza “uma grande mansidão de ânimo e liberalidade de costumes, a ausência completa de militaris-mo… Como meta suprema, busca-se a jovialidade, a calma, a ausência de desejos, e essa meta se alcança”.20?

Sabemos que, para Nietzsche, Budismo e Cristianismo são religiões da decadência. Entre elas, porém, vigora uma diferença abissal: o Budismo é manifestação da decadência ingênua, enquanto o Cristianismo se configura como decadência hostil, que aspira pelo domínio:

“O Budismo é uma religião para homens tardios, para raças que se tornaram bondosas, mansas, superespiritualizadas, que sentem dor com demasiada facilidade (a Europa está longe de estar madura para ele): ele é uma recondução dessas raças à paz e à jovialidade, à dieta espiritual, a certo endurecimento no corporal. O Cristianismo quer dominar sobre animais de rapina – a debilitação é a receita cristã para o amansamento, para a ‘civilização’. O Budismo é uma religião para a conclusão e o cansaço da civilização, o Cristianismo sequer a encontra diante de si, sob certas circunstâncias, ela a funda”.21?

Isso enseja um novo paralelo: para Nietzsche, também a Europa do final do século 19 vive um período de ocaso – os ‘espíritos livres’ são homens tardios, legatários dessa herança espiritual acumulada. Por isso, Nietzsche pressente, como fenômeno característico do declínio cultural da Europa de seu tempo, a ascensão de um budismo europeu.

Ora, sendo essa a situação da Europa, de acordo com a genealogia de Nietzsche, caberia perguntar: não estaria se anunciando, para o futuro da Europa, um amadurecimento possível daquele budismo ocidental? Não seria esse o kairós para um renascimento da Christlichkeit? Não seria por isso que Nietzsche vislumbrava não no Cristianismo histórico, mas no Ser-Cristão uma permanente possibilidade de vida?

“O Cristianismo é em todo instante ainda possível… Ele não está ligado a nenhum dogma insolente que se enfeitou com seu nome, não necessita da doutrina de um Deus pessoal, nem da culpa, nem da imortalidade, nem da redenção, nem da fé, ele simplesmente não tem necessidade de qualquer metafísica, menos ainda do ascetismo, menos ainda de uma ‘ciência natural’ cristã. Quem diz hoje: ‘Eu não quero ser soldado’, ‘eu não me preocupo com tribunais’, ‘os serviços, a polícia, não são exigidos por mim’, esse seria um cristão… justamente aquilo que é, em sentido eclesiástico, o cristão, é o anticristão. A práxis do Cristianismo não é nenhuma fantasmagoria, tampouco a práxis do Budismo o é: é um meio para ser feliz.”22? Utopia presentista dos simples de coração, sem arché nem escatologia, sem tribunal da história ou final apocalíptico dos tempos – o Cristianismo é um estilo de vida, a todo instante possível.

Essa reflexão comporta duas indagações: 1) a reconstituição genealógica da psicologia do Redentor deriva de duas realidades fisiológicas o essencial do Evangelho. Essas ‘realidades’ são mais indicativas de debilidade do que de força ascendente:

“Ódio instintivo à realidade: conseqüência de uma extrema capacidade de sofrimento e excitação, que já não quer, de modo algum, ser tocada, pois sente de um modo demasiado profundo todo contato. A exclusão instintiva de toda aversão, de toda inimizade, de todas as fronteiras e distâncias no sentimento: conseqüência de uma extrema capacidade de sofrimento e excitação, que sente com desprazer [...] insuportável todo opor-se”.23? Essa ‘realidade’ fisiológica é interpretada por Nietzsche como uma forma sublime de hedonismo, de epicurismo. Jesus e Epicuro seriam, assim, decadentes típicos, figuras crepusculares da civilização. “A fuga da dor, até mesmo no infinitamente pequeno na dor – ela não pode terminar em nada além do que numa religião do amor.”24?

2) Seria isso, porém, apenas esgotamento, ou também sinal de uma nova potência, que teria alcançado um poder sobre si mesma e, como supremo autodomínio, se tornado forte o suficiente para poder renunciar às formas mais grosseiras de vontade de poder?  Não estaríamos aqui em presença de uma figura de auto-superação e auto-supressão por sublimação?

Em todo caso, há indicações abundantes dessas vertigens do paradoxo em Nietzsche. Em seu Zaratustra, por exemplo: “Quando o poder se torna clemente e desce até o visível: beleza denomino eu tal descender. E de ninguém quero mais beleza do que precisamente de ti, violento: seja tua bondade tua derradeira autoviolentação. Esse é, com efeito, o mistério da alma: só quando a abandonou o herói é que se aproxima dela, em sonhos, o além-do-herói”.25?

Conversão da força em beleza, uma vez atingido o ponto culminante no desenvolvimento de uma potência cultural – não é isso mesmo que Nietzsche chama de catástrofe? Não significa ela um momento de crise que completa e consuma as virtualidades inscritas no destino de um ciclo cultural e, ao fazê-lo, descerra um novo começo, uma transvaloração de todos os valores?

Argumentando em favor de uma resposta positiva a essa questão, pode-se invocar o exemplo da própria filosofia de Nietzsche. Esse ‘homem tardio’ vivenciou como o proprium de sua inscrição na tradição metafísica precisamente a crise que marca o final de um ciclo histórico da cultura no Ocidente. Destruídos os ‘ídolos’ supremos dessa cultura, que possibilidades restariam para a moral e seus valores? Ao identificar na probidade intelectual a derradeira virtude, Nietzsche recorreu a essa metáfora da catástrofe.

“A própria moralidade cristã, o conceito de veracidade, tomado cada vez mais rigorosamente, o refinamento de confessores da consciência cristã, traduzido e sublimado em consciência científica, em asseio intelectual a qualquer preço [...] é por esse rigor, se é que por alguma coisa, que somos justamente bons europeus e herdeiros da mais longa e mais corajosa auto-superação da Europa.”26?

Não se poderia retomar nesse sentido a pergunta pelo Cristianismo como uma práxis sempre ainda possível? Isto é, como cuidado para com o que permanece seminal nas raízes éticas mais profundamente implantadas em nossa história de formação?

Oswaldo Giacoia Júnior
professor adjunto de Filosofia do Departamento de Filosofia da Universidade de Campinas (Unicamp) e autor de Nietzsche – Para além do bem e do mal (ed. Jorge Zahar), dentre outras obras.

Notas
1 Nietzsche, F. Der Antichrist. Fluch auf das Christenthum. Parágrafo XXXIX. In: Nietzsche, F. Sämtliche Werke. Kritische Studienausgabe (KSA), ed. G. Colli/M. Montinari, Berlin/New York/München: de Gruyter/DTV. 1980, vol. 6. p. 211.
2 Id., p. 212.
3 Cf. Id., p.p. 211-212.
4 Ibid.
5 Id. XXIX, op. cit., p. 199.
6 Cf. Id. XXVIII, op. cit., p. 198s.
7 Id. XXIX, op. cit., p. 199.
8 O autor se refere a Mateus V: 39 e Lucas XVII: 21.
9 Kühneweg, U. Nietzsche und Jesus – Jesus bei Nietzsche. In: Nietzsche-Studien, vol. 15, 1986. p.p. 382-397.
10 Transcrito no volume de comentários dos editores, nr. 14, da KSA, op. cit., p. 441. Comparar com o parágrafo XXIX de O Anticristo.
11 Nietzsche, F. Fragmento Póstumo nr. 15 [9], da primavera de 1888. In: KSA. Vol. 13. p. 409.
12 Nietzsche, F. Der Antichrist, XXIX, op. cit., p. 200.
13 Cf. Id. XXXIII, op. cit., p. 205s.
14 Id. XXXIV, op. cit., p. 207.
15 Id. XXXV, op. cit., p. 207s.
16 Cf. Id. XXVII, op. cit., p. 198.
17 Ibid.
18 Nietzsche, F. op. cit. Parágrafo  XXXII. p. 204.
19 Nietzsche, F. Para a genealogia da Moral. I Dissertação. Trad. Rubens R. Torres Filho. In: Obras Incompletas. Coleção Os Pensadores, 1a. Ed. São Paulo: Abril Cultural, 1974. p. 309.
20 Nietzsche, F. Der Antichrist, XXI, op. cit., p. 187s.
21 Id. XXII, op. cit., p. 189.
22 Nietzsche, F. Nachgelassene Fragmente. In: KSA.Vol. 13, fragmento nr. 11 [365]. p. 161s.
23 Nietzsche, F. Der Antichrist, XXX, op. cit., p. 200s.
24 Ibid.
25 Nietzsche, F. Also Sprach Zarathustra, II: Von den Erhabenen. In: KSA. Vol. 4.
26 Nietzsche, F. Para a genealogia da moral III. In: Obras Incompletas, op. cit., p. 331s.

segunda-feira, 19 de janeiro de 2015

Diante das palavras do Papa Francisco o que importam as palavras de Jesus?



1.       Jesus Cristo: “Bem-aventurados sois vós, quando vos injuriarem e perseguirem, e mentindo, disserem todo tipo de mal contra vós, por causa de mim. Alegrai-vos e exultai, porque será grande a vossa recompensa nos céus.” (Mt 5, 12)

2.       Jesus Cristo: “Digo, porém, a vós que me ouvis: Amai os vossos inimigos, fazei o bem aos que vos odeiam, bendizei aos que vos maldizem, orai pelos que vos insultam. Ao que te bate numa face, oferece-lhe também a outra; e ao que te tira a capa, não lhe negues a túnica. Dá a todo o que te pede; e ao que tira o que é teu, não lho reclames. (Lucas 6:27-31)

3.       Papa Francisco: "É verdade que não se pode agir violentamente. Mas se o Dr. Gasbarri (auxiliar do papa), um grande amigo, falar alguma coisa ruim sobre minha mãe, ele pode esperar um soco. Mas é normal. Você não pode provocar, não pode insultar a religião dos outros." Pressupõe-se aqui uma justificativa das reações?

4.       Vídeo do YOUTUBE com o Papa falando sobre o assunto:

 
Aroldo da Cruz Lara