sábado, 31 de agosto de 2013

Culto sem solenidade e solenidade sem culto

Tudo era feito com muita solenidade na velha aliança. 

Havia reuniões solenes (Nm 29.35, Lm 1.4), assembleias solenes (Jl 1.14), festividades solenes (Zc 8.19), juramentos solenes (Ez 21.23) e descanso solene (Lv 23.3, 39). Foi “solenemente” que Josué designou as seis cidades de refúgio para abrigar os homicidas envolvidos em acidentes que provocavam mortes (Js 20.7). Fala-se até na “solenidade da harpa” (Sl 92.3). Não era falta de solenidade bater palmas (Sl 47.1) e até dançar em ocasiões de intensa alegria e gratidão ao Senhor (Sl 150.4, Jr 31.4), como fizeram Miriã (Êx 15.20-21), a filha de Jefté (Jz 11.34) e Davi (2 Sm 6.14). Também não era falta de solenidade usar outros instrumentos musicais que não a harpa, como trombetas, pandeiros e pratos sonoros (Sl 150.3-5 BLH). Na velha aliança a liturgia era pesadíssima. Havia vestes litúrgicas, posições litúrgicas, ambientes litúrgicos, sacrifícios litúrgicos, comemorações litúrgicas etc. O auge da solenidade envolvia o Santo dos Santos, aquele lugar tremendamente sagrado do tabernáculo móvel e do templo de Jerusalém, onde estava a Arca do Senhor, no interior do qual ninguém podia entrar, senão o sumo sacerdote do ano, apenas no grande dia da expiação, assim mesmo depois de ter feito a purificação de seus pecados, dos pecados de sua família e dos pecados de todo o povo. Essa solenidade toda tinha o propósito de acentuar duas coisas ao mesmo tempo: a santidade absoluta de Deus e a pecaminosidade absoluta do homem. Com o sacrifício de Jesus, o véu que separava o lugar santo do lugar ainda mais santo rasgou-se de alto a baixo e o Santo dos Santos ficou a descoberto (Mt 27.51). Deus continua absolutamente santo e o homem absolutamente pecador, mas a cruz tornou possível ao homem o acesso à presença de Deus. Jesus é o “novo e vivo caminho” que nos conduz ao Pai (Hb 10.20). Não se encontra na nova aliança liturgia em excesso. O culto tornou-se mais leve e mais livre, quem sabe mais informal, embora não menos rígido quanto à santidade do crente, à semelhança do seu Senhor. O “sede santos porque Eu sou santo” do Velho Testamento (Lv 11.44-45) foi trazido também para o Novo Testamento (1 Pe 1.16). Basta lembrar da morte súbita de Ananias e Safira (At 5.1-11). O acentuado temor do Senhor precisa ser cultivado agora como o foi no passado. Na velha aliança, a grande tentação era a solenidade sem culto. Na nova aliança, a grande tentação é o culto sem solenidade. Os profetas lutavam contra a solenidade sem culto e os apóstolos, contra o culto sem solenidade.  É muito conhecida a palavra de Isaías contra a solenidade sem culto: “Não posso suportar iniquidade associada ao ajuntamento solene” (Is 1.13). É muito conhecida a palavra de Paulo contra o culto sem solenidade: “Tudo deve ser feito com decência e ordem” (1 Co 14.40 NVI). A solenidade sem culto provoca rejeição da parte de Deus: “Aborreço, desprezo as vossas festas, e com as vossas assembleias solenes não tenho nenhum prazer” (Am 5.21). O culto sem solenidade pode escandalizar e afastar os incrédulos, a ponto de pensarem que os fiéis estão todos loucos (1 Co 14.23). Não adianta perguntar qual dos dois é pior: a solenidade sem culto dos judeus ou o culto sem solenidade dos cristãos. Os dois não agradam a Deus. 

http://www.ultimato.com.br/revista/artigos/254/ 

segunda-feira, 26 de agosto de 2013

Paróquia Anglicana de Todos Os Santos – Santos – SP

    Foto de 1920
 
Registros históricos apontam a presença Anglicana em Santos a partir de 1862. A Igreja de Todos os Santos - All Saints´ Church, foi consagrada em 21 de abril de 1918, pelo Revmo. Bispo Dom Edward Francis Every que na época tinha a função de atender à comunidade anglicana (episcopal) residente em Santos e aos marinheiros estrangeiros de língua inglesa que passavam pelo porto. Em 1963, a Missão Brasileira havia se tornado emancipado da Igreja-Mãe estadunidense, surgindo a Igreja Episcopal Anglicana do Brasil. Porém, a Igreja de Todos os Santos só viria a se filiar a ela em 1971, tendo sido aprovada como uma Paróquia subvencionada canonicamente constituída pelo Concílio da Diocese Sul-Central realizado sob a presidência do primeiro Bispo Diocesano Revmo. Dom Elliot Sorge. Atualmente, mantém semanalmente serviços religiosos em Português e mensalmente em Inglês. O Centro Sociocultural Anglicano, ligado à paróquia, promove cursos de idiomas, música e eventos culturais abertos a toda comunidade santista. Funciona ainda, como Capelania da Missão aos Marinheiros, entidade com sede em Londres.

Fontes:

www.igrejaanglicana.net

https://www.facebook.com/pages/Par%C3%B3quia-Anglicana-de-Santos/165178076914498?fref=ts

domingo, 25 de agosto de 2013

Somos homens do conhecimento

Na data de hoje, em 25/08/1900.,morria F. Nietszche
 
 
"Nós, que somos homens do conhecimento, não conhecemos a nós próprios; somos de nós mesmos desconhecidos e não sem ter motivo. Nunca nós nos procuramos: como poderia, então que nos encontrássemos algum dia? Com razão alguém disse: "onde estiver o teu tesouro, aí estará também o teu coração". Nosso tesouro está onde se assentam as colmeias do nosso conhecimento. Estamos sempre no caminho para elas como animais alados de nascimento e recolhedores do mel do espírito, nos preocupamos de coração propriamente de uma só coisa - de "levar para casa" algo. No que se refere, por demais, a vida, as denominadas "vivências" - quem de nós tem sequer suficiente seriedade para elas? Ou o suficiente tempo? Jamais temos prestado bem atenção "ao assunto": ocorre precisamente que não temos ali nosso coração - e nem sequer nosso ouvido! Antes bem, assim como um homem divinamente distraído e absorto a quem o sino acaba de estrondear fortemente os ouvidos com suas doze batidas de meio-dia, e de súbito acorda e se pergunta "o que é que em realidade soou?", assim também nós abrimos às vezes, os ouvidos depois de ocorridas as coisas e perguntamos, surpreendidos e perplexos de tudo, "o que é que em realidade vivemos?, e também " quem somos nós realmente? e nos pomos a contar com atraso, como temos dito, as doze vibrantes campainhas de nossa vivência, de nossa vida, de nosso ser - ah! e nos equivocamos na conta... Necessariamente permanecemos estranhos a nós mesmos, não nos entendemos, temos que nos confundir com outros, e, em nós servirá sempre a frase que disse "cada um é para si mesmo o mais distante" continuamos a nos considerar "homens do conhecimento".

Prólogo da Genealogia da Moral de F. Nietzsche

Entrevista com Peter Singer

Por MARCELO LEITE (Folha de São Paulo, 25/08/2013)

Por Uma Vida Menos Ordinária

 
RESUMO Peter Singer, professor da Universidade de Princeton (EUA), vem ao Brasil para duas palestras no ciclo Fronteiras do Pensamento. Ele argumenta que a pobreza e a mudança do clima são os maiores problemas do mundo e, como solução, defende que as pessoas reduzam consumo de carne e doem parte de sua renda.
 
O filósofo australiano Peter Singer, da Universidade de Princeton (EUA), é o conferencista de amanhã, em Porto Alegre, do ciclo Fronteiras do Pensamento. Na quarta-feira ele estará em São Paulo para palestra no Teatro Geo, onde deve abordar temas de ética prática como a pobreza no mundo, escolhas alimentares, bem-estar animal e mudança climática.
 
Para o controverso autor do clássico "Libertação Animal" [trad. Marly Winckler e Marcelo Brandao Cipolla, WMF Martins Fontes, 496 págs., R$ 79,90], cada pessoa deveria doar uma parte de sua renda para ajudar a diminuir a desgraça de 1 bilhão de pobres que vivem com menos de um dólar por dia. Esse é o tema do livro "The Life You Can Save", de 2009 (lançado em Portugal com o título "A Vida que Podemos Salvar", Gradiva, 252 págs., R$ 69,10, sob encomenda), mas um de seus primeiros artigos, de 1972, já tratava dele --e foi citado por 1.259 outros autores desde então.
 
Singer está insatisfeito com o efeito do livro, que calcula ter vendido 60 mil cópias no mundo inteiro. Mais ainda com o baixo número de "compromissos" (pledges) da página de internet equivalente, em que pessoas comuns podem jurar em público que vão passar a doar determinado percentual de sua renda para organizações de caridade: 16.394. Ele doa um terço de sua renda, mas prefere não equiparar a "cegueira moral" dos outros ao Holocausto, e diz que é o maior problema do presente é a pobreza, ao lado da mudança do clima, no futuro.
 
Folha - O tema da mudança climática já apareceu também no seu radar ético? Ela tem o potencial de tornar a vida pior para um bocado de gente pobre, no futuro. Devemos nos importar menos com as vidas futuras do que com as do presente?
 
Peter Singer - Esses dois assuntos estão intimamente conectados. A resposta curta para a pergunta é "não". Devemos nos importar o mesmo tanto com as pessoas, não importa a época em que vivam. Claro que há questões sobre a incerteza, quando falamos do futuro. Nós podemos saber muito mais sobre as pessoas que vivem agora, de modo a ajudá-las, do que podemos saber sobre pessoas que viverão daqui a cem anos. Isso é relevante, e podemos aplicar um desconto sobre o futuro, mas num grau bem pequeno.
 
Não é demais pedir a alguém que se torne vegetariano e ainda por cima doe uma porção significativa de sua renda para combater a pobreza?
 
Reconheço que só algumas pessoas vão de fato agir nesse sentido. Mas acho que todo mundo poderia considerar uma mudança nas suas escolhas alimentares e, se tiverem alguma sobra de dinheiro, considerar sua responsabilidade perante os pobres do globo. Não é uma questão de tudo ou nada, ou você se torna um vegetariano ou não faz nada. Várias pessoas nos Estados Unidos, por exemplo, estão dizendo: "Bem, eu como carne todos os dias...". Existe uma prática chamada Segunda-Feira Sem Carne. Outros escolhem dois ou três dias por semana em que não comem carne. Penso que seja algo fácil de fazer, uma coisa saudável, e obviamente faz diferença, pelo menos do ponto de vista de reduzir a pecuária industrial e a emissão de gases do efeito estufa.
 
Se o sr. tivesse de dar um conselho a um adolescente sobre como agir, diria que ele ou ela devem se juntar a uma organização de caridade, a um partido político ou a uma ONG militante? O que seria mais eficaz para salvar vidas agora e no futuro?
 
Bem, não há razão para não fazer as três coisas. Não precisa ser uma escolha do tipo "ou isso ou aquilo". O valor de se envolver com um partido político vai depender de onde, no mundo, a pessoa vive e de quão abertos são os partidos políticos, da possibilidade de fazer alguma diferença nesses partidos. Minha resposta, realmente, é: quanto mais, melhor.
 
Há um problema com a ideia de ação individual. Um exemplo: no livro "Uma Verdade Inconveniente", Al Gore dá uma série de ideias sobre o que as pessoas podem fazer para combater o aquecimento global, como trocar as lâmpadas de casa. Mas, desde 2006, as coisas só pioraram nesse campo. O sr. acha que pedir às pessoas que doem parte de sua renda resolve algo?
 
Acho que não é igual ao caso da mudança climática. Se eu doo para a Oxfam ou outra organização eficiente, isso faz uma diferença específica. Claro que não se trata de resolver a questão da pobreza global; obviamente eles não podem fazer isso. Mas quer dizer que algumas famílias vão receber telas contra mosquitos para as camas e que suas crianças não vão morrer de malária, ou que as crianças vão receber vermífugos e, sem parasitas, serão mais saudáveis, terão mais energia e irão melhor na escola. Ou uma aldeia consegue abrir um poço, e as pessoas não terão mais de caminhar três horas por dia para conseguir água.
 
 
A razão para não ser assim com a mudança do clima é que, neste caso, de fato é necessário que governos se unam e estabeleçam limites de emissões de gases do efeito estufa. Não há como reunir um grupo de pessoas que possa fazer algo de significativo para de fato reduzir o aumento dos gases de efeito estufa e o aumento de temperatura resultante. São decisões mais amplas, como livrar-se de usinas elétricas movidas a carvão, criar um imposto sobre o carbono ou um mercado para créditos de carbono. É uma situação diferente da pobreza global, para a qual penso que indivíduos podem fazer uma grande diferença.
 
 
Voltando ao tema do bem-estar animal e do bem-estar humano. O sr. responde ao romance "A Vida dos Animais", do sul-africano J.M. Coetzee, indicando que vê problema na comparação que a protagonista, Elizabeth Costello, faz entre o modo como tratamos os animais e o Holocausto. O sr. escreveu: "O valor que se perde quando algo é esvaziado depende do que estava ali quando estava cheio, e há mais [conteúdo] na existência humana do que na de um morcego".
 
Esse argumento se parece ao de parte de pecuaristas que destroem a floresta no Brasil: eles criam empregos que vão beneficiar pessoas, e pessoas são mais importantes que o ambiente ou espécies selvagens. O sr. concorda?
Concordo com a posição geral de que é relevante a questão de quantas pessoas estão se beneficiando e quantas pessoas estão sofrendo, mas não que isso seja usado como argumento para destruir a Amazônia ou pôr mais cabeças de gado para pastar, ignorando as questões de longo prazo de que falávamos há pouco. Uma das principais causas das emissões brasileiras de gases do efeito estufa é o desmatamento; outra, o próprio gado. Esse pessoal não está de fato beneficiando mais pessoas do que aquelas que consomem essa comida hoje. Eles causam muito mais dano no mundo todo, hoje e no futuro. É um cálculo errado.
 
E quanto à oposição de valores entre existências humanas e animais? Devemos ter uma preferência?
 
É razoável dizer que, se se trata do valor de uma vida, do ato de matar em si, o ser cuja vida contenha mais capacidades sofre uma perda maior. Se for para comparar a morte de uma pessoa com a de uma vaca, é razoável dizer que a morte de um ser humano é a tragédia maior. Mas há muito mais que o ato de matar na criação industrial de animais, que vivem vidas horríveis. Precisamos perguntar: por que fazemos isso, qual a necessidade de fazer assim?
 
Seria comparável ao caso dos alemães que preferiam ignorar a existência de campos de concentração, como sugere a personagem Elizabeth Costello, de Coetzee?
 
Há um certo paralelo aí. A diferença, suponho, é que as pessoas na Alemanha aceitavam a moralidade da ideia de que é errado matar seres humanos inocentes. Creio que estavam mais conscientes da seriedade do mal que se fazia durante o Holocausto, na medida em que sabiam do que estava acontecendo. No entanto, a maior parte das pessoas não é criada com a noção de que animais são moralmente importantes, de que devemos dar a seus interesses a mesma consideração que damos aos nossos. Pode-se dizer que voltar as costas para isso é mais desculpável. Mas também creio que haja algum paralelo, sim.
 
Um paralelo constrangedor, não? Essa é a questão suscitada pelo livro de Coetzee.
 
Sim. Ele é um escritor brilhante e nos faz sentir o desconforto das pessoas na plateia quando ouvem a palestra de Elizabeth Costello sobre o questionamento de seus hábitos. Há no livro a discussão particular sobre o paralelo com o Holocausto, muito contencioso. Coetzee está expondo as pessoas a esse desconforto. Mas, de novo: não há um número suficiente de pessoas que o estejam lendo e levando essas questões em conta.
 
O sr. iria até o ponto de dizer que a pobreza mundial é o Holocausto do século 21?
 
Não gosto muito de usar essa linguagem de Holocausto, de estendê-la para coisas que não estão assim tão perto. Vejo algumas diferenças. Ao dizer que o que está acontecendo com os pobres do mundo é o nosso próprio Holocausto, você desqualifica ou reduz a enormidade do que aconteceu no período histórico dos anos 1940. Mas o que eu diria é que, ao lado da mudança climática, é uma cegueira moral que temos e que, na escala de sua seriedade e de suas consequências, é comparável ao Holocausto.
 
 

domingo, 18 de agosto de 2013

A Liturgia Anglicana


A Liturgia Anglicana

                                                    Ven. Arc. Rev. Carlos Alberto (*)
 
Obs.: lembramos que é um modelo brasileiro de LOC adaptado, mas segue a tradição anglicana

A Liturgia Anglicana pode ser divida em quatro partes: (1) os Ritos Iniciais; (2) a Liturgia da Palavra; (3) a Liturgia Eucarística; e (4) os Ritos Finais. Há partes fixas, que se repetem a cada celebração, e partes móveis, que permitem outros modos de expressão diante de Deus.

1) Os Ritos Iniciais: começam com um cântico (ou Salmo) e a procissão de entrada; o sacerdote ocupa o seu lugar, saúda o povo, pronuncia as palavras de acolhida; conduz o povo à confissão de pecados e pronuncia a absolvição e a Coleta do Dia.

2) A Liturgia da Palavra: consta das leituras na seguinte ordem: Antigo Testamento, Salmo (seguido do Glória Patri se este não foi lido ao início da celebração), Novo Testamento e Evangelho. As leituras são determinadas pelo calendário litúrgico e são extraídas do Lecionário do LOCb (onde se segue a leitura chamada trienal: ano A, B e C, uma para cada domingo do mês). Em seguida, vem o sermão, o credo e as orações do povo.

3) A Liturgia Eucarística: no LOCb prescreve várias orações eucarísticas alternativas, em geral inicia com o ofertório (ofertas voluntárias, em espécie, e oferta dos elementos: Pão e Vinho, trazidos ao altar), Grande Oração Eucarística, Pai Nosso, Fração do Pão, Comunhão, Oração Pós Comunhão.

4) Os Ritos Finais: constam da despedida, da bênção e do envio ao mundo em missão.

 
RITOS INICIAIS

a) Acolhida: é uma saudação informal onde o oficiante dá as boas-vindas aos demais participantes da celebração. Faz a introdução ao tema, ao assunto do respectivo domingo dentro do Calendário do Ano Cristão. Introduz o povo no ambiente da celebração. Saúda os visitantes;

b) Saudação: trata-se de uma saudação formal e recíproca, onde o oficiante e comunidade saúdam-se. De acordo com rubricas, existem três formas: uma utilizada da Páscoa até o Pentecostes; outras durante a Quaresma e em outras ocasiões penitenciais; e a mais comum, para as outras ocasiões do ano;

c) Coleta pela Pureza: uma das únicas partes da longa série de orações acompanhando cerimônias privadas do celebrante que o Arcebispo Cranmer conservou ao compor o primeiro LOC (1549). Ela provém do Rito de Sarum. É uma coleta exclusivamente anglicana (mas que pode ser encontrada nas orações luteranas para os oficiantes);

d) Gloria in Excelsis: no século VI era usado, assim como o Te Deum Laudamus, na Oração Matutina das igrejas da Gália (469-542). Era um hino matinal sírio, fazendo parte até hoje dos ofícios bizantinos. Nos ofícios romanos foi incorporado nas missas para domingo e dias santos, salvo os das quadras penitenciais. Em geral é utilizado após a absolvição entretanto, conforme a forma utilizada no LOCb pode variar de lugar na liturgia (após a Coleta por Pureza ou nos Ritos Finais, sendo que no tempo do Advento e da Quaresma devem ser omitidos, assim como qualquer cântico de “Glória”);

e) Kyrie: já presente no clamor de Bartimeu, no Evangelho. Quando os cristãos passaram a incluir essa exclamação no ofício, estavam a confessar Jesus como único Senhor e negando a veneração divina a qualquer senhor deste mundo. “Kyrie Eleison” é, na sua origem, um clamor coletivo da comunidade pelas dores do mundo e não um clamor individual das pessoas pelo perdão dos seus pecados. Pode ser cantado como alternativa ao Glória, mas é usado como resposta ao Resumo da Lei na Ordem Penitencial, ou em resposta a cada afirmação do Decálogo;

f) Confissão, é uma confissão geral de pecados, que deve ser dita de joelhos. A referência foi colocada na revisão de 1675, por influência escocesa, pois que antes o presbítero permanecia de pé, o que ainda acontece na Inglaterra.

g) Absolvição, pode ser pronunciada pelo presbítero, ou pelo bispo, quando presente . Quem a pronunciar, fará voltado para o povo, porque se fala em o nome de Deus, cujas misericórdias não podem ser contadas e com Quem está o perfeito perdão.

h) Coleta do Dia: uma breve oração usada em conexão com alguma parte do culto. Originalmente, todas as litanias finalizavam com uma oração resumindo todas as petições e súplicas (a coleta da litania). Assim, desse papel da oração em reunir, coligir, proveio o nome de coleta (collectio, collecta). Coleta foi, pelo século VI, assimilada na coleta da litania que era usada a guisa de intróito ao ofício de comunhão. É devido a esse incidente que as nossas coletas de hoje, na sua grande maioria, tem como tema rogar pela graça e misericórdia divinas e, assim, como conclusão penitencial.
 

LITURGIA DA PALAVRA

a) Leituras: foi provavelmente São Jerônimo (340-420) quem primeiro escolheu e dispôs as Epístolas e os Evangelhos. A leitura do Antigo Testamento e Epístolas devem ser feitas do atril pelo(a) leitor(a). O Salmo do Dia deve de ser lido na forma antifonal e seguido do cântico (ou recitação) do Glória Patri (no tempo do Advento e da Quaresma devem ser omitidos, assim como qualquer cântico de “Glória”). O Evangelho é uma seleção de ensinamentos do ministério de Jesus e destina-se a proclamar algum evento da vida de Jesus ou alguns dos seus ensinos admiráveis. O Evangelho deve ser lido no meio da congregação, ou do púlpito (e não do atril), por um Diácono, quando presente, ou outro oficiante.

b) Sermão: após a última leitura bíblica e sua respectiva resposta pela comunidade, a Liturgia da Palavra continua com o Sermão, que deve versar sobre uma das leituras feitas, ou mesmo fazendo referência a todas.

c) Profissão de Fé: o Credo é a declaração oficial das verdades das Sagradas Escrituras sobre a qual se baseia a Igreja. Foi colocado na liturgia para combater as controvérsias. No Oriente, foi introduzido no ano 417, em Antioquia, e em Constantinopla no ano de 511. No Ocidente, o 3º Concílio de Toledo (589) ao inserir o Credo no rito mozárabe contra os arianos. Logo se difundiu na França; mas só foi incorporado à missa romana em 1014. O LOCb contém dois Credos: o Apostólico e o Niceno. O Credo dos Apóstolos é baseado no antigo Credo Romano, que se constituiu a partir do século II, em relação com a celebração do batismo. Foi provavelmente em Roma que tal texto se formou. O Credo Niceno, também conhecido como Niceno-Constantinopolitano, é uma paráfrase, um pouco aumentada, do Credo estabelecido pelo Concílio de Niceia, embora só fosse definitivamente elaborado pelo 2º Concílio, em Constantinopla, em 381. É o único Credo universalmente aceito. O LOCb ainda oferece outras formas de confissão alternativas

d) Oração dos Fiéis (Intercessões): as intercessões são feitas pela Igreja, seus membros e sua missão, pela nação e por todos que exercem autoridade, pela paz e salvação do mundo, pelas preocupações da comunidade local, pelos que sofrem, pelos que partiram.

LITURGIA DA EUCARISTIA

a) Ofertório, as sentenças do ofertório, que foram designadas para serem cantadas como antífonas (offertoria), servem agora somente para anunciar que se vai proceder à coleta nos serviços divinos e que vai começar o ato de oblação na ordem para a administração da Ceia do Senhor, podendo cantar-se um hino durante o mesmo. É parte invariável do culto desde o período apostólico (cf. 1Co 16.2). As salvas recebidas pelo ministro serão solenemente apresentadas e postas na Santa Mesa, passando depois para a credência, que é a mesa auxiliar. As ofertas partem do povo e significam seu respeito e louvor de gratidão a Deus. As oferendas serão apresentadas quando o povo estiver de pé. Faz-se, ainda, o ofertório ou apresentação dos elementos eucarísticos.

b) Saudação da Paz, feita após as intercessões, preparando para a o ofertório, é uma saudação entre as pessoas participantes do ofício litúrgico. O Novo Testamento menciona, como saudação, o ósculo santo, costume ainda comum nos povos orientais que, infelizmente, as igrejas ocidentais perderam (pode ser utilizada após a oração do Pai Nosso).

c) Oração Eucarística, a parte central, a parte sacrificial por excelência da Celebração da Santa Eucaristia. Sua correspondente nos ritos orientais é a “Anáfora”, e no romano, o “Cânon”. As palavras da Oração Eucarística não são fórmulas, mas uma oração que a comunidade dirige a Deus, conforme um padrão básico comum. Esse padrão parece estar preservado numa Oração Eucarística registrada na Tradição Apostólica de Hipólito de Roma e anotada por volta do ano 215:

I) Saudação, um diálogo introdutório, cuja origem é o judaica (Seder);

II) Sursum Corda, convida-se a comunidade a elevar seus corações, o que equivale dizer pensamentos, a Deus (é um dialogo entre o celebrante e os comungantes que precede à eucaristia em todas as liturgias históricas);

III) Ação de Graças, o celebrante convida a todos a participar das ações de graças. Com estes três elementos, forma-se a chamada: Introdução (ou Diálogo), Sursum Corda e Convite.

IV) Prefácio, há dois prefácios: um permanente e outro do dia (chamado também de Próprio). Permanente: ao dar graças pelas grandes obras de Deus no passado (como Criador e Redentor), a comunidade proclama a sua fé na continuidade de tais atos no futuro. A confiança na continuidade da fidelidade Deus é que permite à comunidade entrar na celebração da Eucaristia, com a certeza de que ali Cristo estará presente e se entregará às pessoas comungantes. Próprio: muda conforme o dia, e no rito romano é considerado como uma porção introdutória à Oração. No LOCb, há Prefácios Próprios para o Natal, Epifania, Purificação, Anunciação, Transfiguração, Páscoa, Ascensão, Pentecostes, Santíssima Trindade, todos os santos etc. São os grandes eventos da vida de Jesus ou de significação histórica e doutrinária para Igreja. Variam conforme o Calendário Cristão, representam a significação e intenção da eucaristia que se celebra.  Os prefácios são expressões de nosso louvor a Deus pelas fases grandiosas do mistério da encarnação e da salvação.

V)    Sanctus, o uso frequente do Sanctus no ritual judaico talvez tenha influenciado em sua inclusão na liturgia. Às vezes dá-se o nome de Triságio ao Sanctus.

VI) Benedictus, a saudação proferida pela multidão a Jesus quando de entrada triunfal em Jerusalém (Mt 21,9). Todas as liturgias anteriores à Constituição Apostólica (350) inserem o Benedictus após o Sanctus, exceto a liturgia do Egito. O LOC de 1549 uniu ao texto original do Sanctus o versículo de Lc 18.38, paráfrase que permaneceu, mesmo depois dos cortes feitos pela revisão de 1552.

VII) Memorial, refere-se à redenção. O rito romano se distingue pelo aspecto sacrificial, de modo que oblação é o tema que se nota por quase todo o cânone. O sacrifício, entretanto, é essencialmente eucarístico, isto é, trata-se de ação de graças pelos frutos da terra, pão e vinho, rogando que Deus os abençoe para a comunhão dos fiéis. Com o intuito de evitar que continuassem a interpretar as expressões do rito primitivo da eucaristia numa perpetuação do sacrifício do calvário, Cranmer eliminou toda a ideia de oblação dos elementos, fazendo com que as frases tivessem referência não aos elementos, mas às aspirações dos ofertantes, registrando na oração que o sacrifício e a morte de Jesus na cruz são únicas e definitivas.

VIII) Palavras da Instituição, em forma de uma narrativa, conforme pronunciadas por Jesus (cf., 1Co 11,24-25). A sua função é recontar o relato da Última Ceia de Jesus com seus discípulos, ou seja: autoridade para celebrar a Eucaristia não vem da comunidade, mas de Jesus na ultima ceia. Por isso, reconta-se aqui a narrativa da instituição. Ao dizer as palavras sobre o pão, ergue-se a hóstia, fazendo-se o mesmo com o cálice.

IX) Anamnese, in memoriam mei, não é mera lembrança, recordação, mas realização. A Anamnese chama, invoca uma pessoa ou um acontecimento do passado e o torna presente, ativo, efetivo, aqui e agora. “Seguindo o mandamento de Teu Filho, comemoramos, até que Ele venha”. A Anamnese torna eficiente ao comungante a obra de Jesus ocorrida no passado. O que aconteceu lá se torna válido, na Anamnese, ao comungante. Tem duas partes: , ela lembra aspectos essenciais da vida e obra de Jesus (a encarnação, a paixão, ressurreição e ascensão do Senhor; muitas vezes, cita também a mediação de Cristo à direita do Pai e sua Segunda vinda); 2ª, traz a declaração explícita de que se está aqui oferecendo o pão e o cálice, exatamente com esse significado e objetivo de celebrar a obra de Cristo, em obediência à Sua ordem.

X) Epiclese, termo grego, designa, normalmente, o pedido ao Pai, para que envie o Espírito Santo. Há dois tipos de epiclese nas Orações Eucarísticas: epiclese de consagração: invocação do Espírito sobre os elementos eucarístico, separando-os do uso comum ao sagrado; epiclese de comunhão: invocação do Espírito para que realize aquilo que é o fruto da Eucaristia, a comunhão em Cristo, sendo, assim, uma invocação do Espírito sobre a Igreja. Por meio dela se expressa que nem a pessoa oficiante, nem a comunidade, nem a Igreja são proprietárias da Eucaristia. Nenhuma delas tem em seu poder realizar o que a Eucaristia deve realizar, mas, somente Deus, por Seu Espírito.

XI) Intercessão pela Igreja, no mundo inteiro, pelos bispos, pelos ministros e fiéis, pelos falecidos que morreram na esperança da ressurreição, na memória dos santos e mártires, podendo ser uma intercessão geral.

XII) Doxologia, quer dizer “louvor”, “ação de graças”. A Oração Eucarística termina assim como começou. Trata-se de uma doxologia trinitária, ou seja, de uma exaltação da Trindade.

XIII) Amém.

d) Pai Nosso. Podendo seguir-se a saudação da paz, se não foi feita anteriormente.

e) Fração do Pão, ao partir dir-se-á um dos textos previstos no LOCb.

f) Agnus Dei, cântico primeiramente adotado na liturgia de São Tiago de Jerusalém, que pode ser dito ou cantado ou mesmo fazer a Oração de Humilde Acesso, ou ainda, cantar um hino apropriado.

g) Comunhão do Celebrante, que deverá ser feita enquanto se canta o Agnus Dei ou outro hino escolhido.

h) Comunhão dos presentes, que deve ser feita com os mesmos vindo á frente, ajoelhando-se, e com as palavras ditas pelo celebrante: “O corpo (sangue) de nosso Senhor Jesus Cristo te preserve na vida eterna”.

i) Coleta Pós Comunhão, o LOCb a insere como ação de graças depois da Comunhão. Neste ponto, retornou-se ao padrão das liturgias orientais, estabelecendo uma forma fixa.



RITOS FINAIS

a) Glória in Excelsis, se este cântico não foi feito ao início da liturgia, será incluído aqui, ao final do serviço religioso.

b) Bênção, retirada dos ritos romanos, continuou a ser usada nos ritos galicanos e naturalmente na Inglaterra, até ao tempo da Reforma, com formas variadas que se alteravam, conforme a estação eclesiástica, no Sarum. Era, porém, prerrogativa episcopal somente. No LOCb o ofício termina com uma bênção pronunciada pelo presbítero, em o nome de Deus. A bênção realizada pelo celebrante com os braços erguidos e a palma das mãos voltadas para baixo, sobre a congregação. Este é um gesto de imposição de mãos sobre os eclesianos.

c) Despedida, Cranmer deixou de lado o ite, missa est, substituindo pelo “vamos partir em paz” do rito bizantino, que lhe inspirou a buscar a frase de Paulo em Fl 4.7, com que se inicia a fórmula que temos em no LOCb, e que é privilégio do Diácono proferir.

 



* Rev. Carlos Alberto Chaves Fernandes, ofa, é Presbítero da Diocese do Recife (DAR); Pároco da Paróquia Anglicana da Santíssima Trindade, em Copacabana, Rio de Janeiro; Venerável Arcediago Sul-Sudeste; Frei da Ordem Franciscana Anglicana (OFA).

Capitalismo: Forma Neurótica de Destruir a Igreja?


"A desconstrução do cristianismo não é um ataque contra a igreja, mas a crítica dos ídolos a que é vulnerável - o literalismo eo autoritarismo, o sexismo eo racismo, o militarismo, o amor do capitalismo desenfreado com o qual a igreja em suas diversas formas tem hoje e por tempo demais estado presa, qualquer um destes é tóxico para o reino de Deus. "

"Estrategicamente, diplomaticamente, social, político, moral e economicamente, evangelicamente, em todos os sentidos possíveis somos testemunhas hoje de um ponto mais baixo na liderança norte-americana, uma catástrofe ético, social, político e bíblica."

 
fora de contexto, pode sugerir que a religião é a causa singular para a trajetória contínua de um pofunda disfunção em nossa sociedade. Mas uma forma popular distorcida do cristianismo catalisa outros dois ingredientes mais poderosos, o capitalismo predatório e um governo que serve os interesses do grande capital. Estes três poderosos componentes trabalham juntos para nos arrastam para baixo,  na inclinação para mais e mais disfunção em nome de uma sociedade mais moral - uma sociedade moral baseada em um conjunto de valores que são tão mal aplicados que tornam-se destrutivos.

Em outras palavras, esses três componentes criam uma sociedade moral que destrói suas próprias vilas a fim de salvá-las. Por exemplo, enquanto que martelamos as lições de individualismo radical na forma de virtude moral, podemos reduzir os recursos ou oportunidades necessárias para se tornar auto-sustentáveis ​​para grandes porções da nossa cidadania. Só para ter certeza que ninguém erra na lição moral de auto-suficiência, aumentamos  as taxas de juros sobre empréstimos estudantis, e a educação universitária vital e necessária para o sucesso no futuro torna-se menos acessível às massas.

Para ter certeza de nossas lições de moral continuam, mantemos nossos impostos baixos e aumentamos nossos gastos em defesa contra um inimigo imaginário e nosso sistema educacional é destruído para equilibrar o orçamento. Estamos amaldiçoados e com miopia. Não consigo ver os efeitos a longo prazo sobre o país quando a trabalhadores pouco qualificados, mão de obra minimamente educada deve arcar com a carga tributária do futuro ou competir com cidadãos altamente qualificados de outros países. Temos uma incrível capacidade de culpar as vítimas em nossa sociedade perturbada e justificar as nossas denúncias sobre a moralidade cristã revisionista que seria irreconhecível para o próprio Cristo. Não tanto porque o Cristianismo foi uma invenção de São Paulo, mas por causa do absurdo da atual interpretações revisionistas.

Esta forma moderna do cristianismo tornou-se um expediente para a infiltração de uma forma radical do capitalismo misturado com as nossas instituições públicas. As mesmas instituições que foram formados para proteger os interesses dos cidadãos, que estão agora a fazer a licitação dos mega ricos, enquanto aponta para o fracasso moral das massas que estavam destinados a servir. Sim, o Sr. Caputo, temos muitos ídolos. E embora eu esteja encorajado por seus esforços para desconstruir o cristianismo, eu duvido d a nossa capacidade ou vontade de realizar as mesmas ações com o capitalismo e governança.

Ele nunca passaria na Câmara dos Deputados. Essa casa tem todos todos os bons cristãos moralistas do Tea Party. Ao contrário, eles estão satisfeitos em manter os americanos dançando ao redor do bezerro de ouro, com a esperança improvável que, eventualmente, algumas das benesses do capitalismo ocorra em sua volta. Estamos com salário mínimo, milionários em espera, totalmente imerso nesta forma de idolatria, confiando em nosso dia vai chegar. Se há um pecado imperdoável, ele está usando a religião para separar e discriminar ao invés de conectar e fazer todo.

Em nome dos Estados Unidos, Mea Culpa!
            Robert De Filippis

Ver texto original em inglês no link:


O Que é Ser Contemporâneo?


Por Giorgio Agamben

O poeta – o contemporâneo – deve manter o olhar fixo em seu tempo. Mas que vê quem vê seu tempo, o sorriso demente de seu século? Contemporâneo é aquele que mantém o olhar fixo em seu tempo, para perceber não as suas luzes, mas sim as suas sombras. Todos os tempos são, para quem experimenta sua contemporaneidade, escuros. Contemporâneo é quem sabe ver essa sombra, quem está em condições de escrever umedecendo a pena nas trevas do presente. Mas o que significa "ver a escuridão", "perceber a sombra"?

Uma primeira resposta nos é sugerida pela neurofisiologia da visão. O que acontece quando nos encontramos em um ambiente sem luz, ou quando fechamos os olhos? O que é a sombra que vemos nesse momento? Os neurofisiologistas dizem-nos que a ausência de luz desinibe uma série de células periféricas da retina, chamadas, precisamente, de off-cells, que entram em atividade e produzem essa espécie particular de visão que chamamos de sombra. A sombra não é, portanto, um conceito privativo, a simples ausência de luz, algo como uma não visão, mas sim o resultado da atividade das off-cells, um produto da nossa retina. Isso significa (...) que perceber essa sombra não é uma forma de inércia ou de passividade, mas sim de algo que implica uma atividade e uma habilidade particulares, que, no nosso caso, equivalem a neutralizar as luzes que provêm da época para descobrir sua escuridão, sua sombra especial que não é, de todos os modos, separável dessas luzes.

Pode se chamar de contemporâneo só aquele que não se deixa cegar pelas luzes do século e que é capaz de distinguir nelas a parte da sombra, sua íntima escuridão. Por que o fato de poder perceber as trevas que provêm da época deveria nos interessar? Por acaso, a sombra não é uma experiência anônima e, por definição, impenetrável, algo que não está dirigido a nós e não pode, portanto, nos incumbir? Pelo contrário, contemporâneo é aquele que percebe a sombra de seu tempo como algo que lhe incumbe e que não cessa de interpelá-lo, algo que, mais do que qualquer luz, se refere direta e singularmente a ele. Quem recebe em pleno rosto o feixe de trevas que provém de seu tempo.

 A contemporaneidade se inscreve no presente marcando-o sobretudo como arcaico, e só quem percebe no mais moderno e recente os indícios e as signaturas do arcaico pode ser seu contemporâneo. Arcaico significa: próximo do "arché", ou seja, da origem. Mas a origem não está situada só em um passado cronológico: é contemporâneo ao devir histórico e não cessa de funcionar nele, como o embrião continua atuando nos tecidos do organismo maduro, e o bebê, na vida psíquica do adulto. A distância e, ao mesmo tempo, a proximidade que definem a contemporaneidade têm seu fundamento nessa proximidade com a origem, que em nenhum ponto bate com tanta força como no presente.

Os historiadores da literatura e da arte sabem que, entre o arcaico e o moderno, há um encontro secreto, e não tanto por causa do fato de que as formas mais arcaicas parecem exercer no presente um fascínio particular, mas sim porque a chave do moderno está oculta no imemorial e no pré-histórico. Assim, o mundo antigo, em seu final, se volta, para se reencontrar, para as origens: a vanguarda, que se extraviou no tempo, segue o primitivo e o arcaico. Nesse sentido, justamente, pode-se dizer que a via de acesso ao presente tem necessariamente a forma de uma arqueologia. Que não retrocede, porém, a um passado remoto, mas sim ao que, no presente, não podemos viver de nenhuma forma e, ao permanecer no vivido, é incessantemente reabsorvido para a origem, sem nunca poder alcançá-lo. Porque o presente não é outra coisa que a parte de não-vivido em cada vivido, e o que impede o acesso ao presente é justamente a massa do que, por alguma razão (seu caráter traumático, sua proximidade excessiva) não conseguimos viver nele