terça-feira, 22 de julho de 2014

The Physicality of Prayer

The physicality of prayer

Rowan Williams

The Christianity I was originally formed in was not very ritual-minded: it was both intellectually alert and emotionally intense – the best of a style of Welsh Nonconformity now almost extinct – but tended to look down on physical expression of belief (other than singing, which I suspect was regarded as not really physical). Only when the family joined the Anglican Church when I was in my early teens, after we’d moved to another town, did I discover a sense of worship as a physical art, involving gesture, movement and colour. I still have a vivid memory of my first experience of a solemn Mass with procession at Easter, when I was, I suppose, about 12 – the awareness of a deliberate strategy of involving the senses at many levels. 

The mild High Church atmosphere of those years was, for me, an environment that made strong imaginative and emotional sense, and indeed is still the kind of setting where I feel most instinctively at home, rather than in more simply word-oriented styles, or in the heated atmosphere of “charismatic” worship, repetitive song and unstructured prayer – although I’ve learned to be nourished by that, too, in many circumstances. But the ritual that is most significant for me apart from the routines of public worship and the daily recitation of the fixed words of morning and evening prayer owes more to non-Anglican sources. 

Readers of Salinger’s Franny and Zooey will recall the somewhat unexpected appearance there of an account of the traditional Greek and Russian discipline of meditative repetition of the “Jesus Prayer” (“Lord Jesus Christ, Son of God, have mercy upon me, a sinner”). Practically every Eastern Orthodox writer on prayer will describe this, and many in the tradition also describe some of the physical disciplines that may be used to support it – being aware of your breathing, sitting in a certain way, focusing attention on your chest: “bringing the mind into the heart”, as the books characterise it. 

The interest in uniting words with posture and breath is, of course, typical of non-Christian practices also; and over the years increasing exposure to and engagement with the Buddhist world in particular has made me aware of practices not unlike the “Jesus Prayer” and introduced me to disciplines that further enforce the stillness and physical focus that the prayer entails. Walking meditation, pacing very slowly and co-ordinating each step with an out-breath, is something I have found increasingly important as a preparation for a longer time of silence. 

So: the regular ritual to begin the day when I’m in the house is a matter of an early rise and a brief walking meditation or sometimes a few slow prostrations, before squatting for 30 or 40 minutes (a low stool to support the thighs and reduce the weight on the lower legs) with the “Jesus Prayer”: repeating (usually silently) the words as I breathe out, leaving a moment between repetitions to notice the beating of the heart, which will slow down steadily over the period. 

The prayer isn’t any kind of magical invo­cation or auto-suggestion – simply a vehicle to detach you slowly from distracted, wandering images and thoughts. These will happen, but you simply go on repeating the words and gently bringing attention back to them. If it is proceeding as it should, there is something like an indistinct picture or sensation of the inside of the body as a sort of hollow, a cave, in which breath comes and goes, with an underlying pulse. If you want to speak theologically about it, it’s a time when you are aware of your body as simply a place where life happens and where, therefore, God “happens”: a life lived in you. 

So the day begins with a physically concrete and specific reminder that your own individual existence is breathed through by a life that isn’t your possession; and at moments of tension or anxiety during the day, deliberately breathing in and out a few times with the words of the prayer in mind connects you with this life that isn’t yours, immersing the anxiety and dispersing the tension – even if it doesn’t simply take away pain or doubt, solve problems or create some kind of spiritual bliss. The point is just to be connected again. 

The mature practitioner (not me) will discover a steady clarity in the vision of self and world, and, in “advanced” states, an awareness of unbroken inner light, with the strong sense of an action going on within that is quite independent of your individual will – the prayer “praying itself”, not just human words but a connection between God transcendent and God present and within. Ritual anchors, ritual aligns, harmonises, relates. And what happens in the “Jesus Prayer” is just the way an individual can make real what is constantly going on in the larger-scale worship of the sacraments. The pity is that a lot of western Christianity these days finds all this increasingly alien. But I don’t think any one of us can begin to discover again what religion might mean unless we are prepared to expose ourselves to new ways of being in our bodies. But that’s a long story.

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Posted by the Orthodox Christian Network. 

https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=8283866662245015138#editor/target=post;postID=6171928642096384975

Por que pastores não falam sobre violência doméstica?

Pesquisa mostra que líderes religiosos não abordam o tema em seus sermões


A ocorrência de violência doméstica no meio cristão foi tema de um estudo que constatou que, apesar da preocupação com o assunto, apenas 25% dos pastores acreditam que ela exista entre os fiéis que lideram.
Apesar de 72% dos pastores entrevistados pelo LifeWay Reserach entenderem que a violência doméstica é um problema social, muitos deles fazem muito pouco para conscientizar os homens sobre as consequências de agressões contra as mulheres.

O estudo mostrou ainda que 42% dos pastores entrevistados reconheceram que “raramente, ou nunca” abordam o tema em sermões ou palestras para a congregação, mas como forma de remediar, os casos de violência doméstica que são descobertos são tratados a nível pessoal. Outros 22% dos pastores dizem abordar o assunto uma vez por ano junto aos membros, e apenas 34% dizem falar sobre o tema com uma frequência menor, que pode variar de semanas a meses.

“Enfrentar a questão em público é essencial”, afirma Justin Holcomb, um especialista neste tipo de abuso, segundo informações do Protestante Digital.

O especialista enfatiza que muitas vezes a vítima atribui a culpa a si pela violência sofrida, e ouvir pregações sobre o tema poderia conscientizar ambas as partes. “Alguns abusadores usam partes da Bíblia (como Malaquias 2:16, que em algumas versões aplica-se ao divórcio) contra suas vítimas, fazendo-as sentirem que não há como escapar. Líderes da congregação devem confrontar esse manipulador da mensagem”, diz Holcomb.

Embora a grande maioria dos pastores norte-americanos comece a procurar ajuda de especialistas sobre o assunto de fora da igreja, 62% também disseram que em casos de violência têm oferecido mais “aconselhamento para o casal”.

“Defensores de vítimas de agressões domiciliares alertam que isso pode ser uma prática perigosa. A sessão de aconselhamento pastoral com agressor e vítima, por mais bem intencionada que seja, pode levar a mais violência, quando eles chegam em casa”, alertou Holcomb.

“Os pastores podem fazer mais”, diz o pastor Ed Stetzer, presidente da LifeWay Research. “Quando dois terços dos pastores falam do problema da violência doméstica com sua igreja apenas uma vez por ano, ou até menos, é visível que temos uma desconexão séria da realidade da vida. Os pastores não podem se dar ao luxo de ignorar ou minimizar a seriedade do assunto , quando vidas estão sendo arruinadas pela violência sexual ou doméstica ali mesmo no seu bairro e na sua igreja. A igreja precisa ser parte da solução”, conclui Stetzer.

http://www.spressosp.com.br/2014/07/22/por-que-pastores-nao-falam-sobre-violencia-domestica/

Por que pastores não falam sobre violência doméstica?

 
 
Pesquisa mostra que líderes religiosos não abordam o tema em seus sermões


A ocorrência de violência doméstica no meio cristão foi tema de um estudo que constatou que, apesar da preocupação com o assunto, apenas 25% dos pastores acreditam que ela exista entre os fiéis que lideram.

Apesar de 72% dos pastores entrevistados pelo LifeWay Reserach entenderem que a violência doméstica é um problema social, muitos deles fazem muito pouco para conscientizar os homens sobre as consequências de agressões contra as mulheres.

O estudo mostrou ainda que 42% dos pastores entrevistados reconheceram que “raramente, ou nunca” abordam o tema em sermões ou palestras para a congregação, mas como forma de remediar, os casos de violência doméstica que são descobertos são tratados a nível pessoal. Outros 22% dos pastores dizem abordar o assunto uma vez por ano junto aos membros, e apenas 34% dizem falar sobre o tema com uma frequência menor, que pode variar de semanas a meses.

“Enfrentar a questão em público é essencial”, afirma Justin Holcomb, um especialista neste tipo de abuso, segundo informações do Protestante Digital.

O especialista enfatiza que muitas vezes a vítima atribui a culpa a si pela violência sofrida, e ouvir pregações sobre o tema poderia conscientizar ambas as partes. “Alguns abusadores usam partes da Bíblia (como Malaquias 2:16, que em algumas versões aplica-se ao divórcio) contra suas vítimas, fazendo-as sentirem que não há como escapar. Líderes da congregação devem confrontar esse manipulador da mensagem”, diz Holcomb.

Embora a grande maioria dos pastores norte-americanos comece a procurar ajuda de especialistas sobre o assunto de fora da igreja, 62% também disseram que em casos de violência têm oferecido mais “aconselhamento para o casal”.

“Defensores de vítimas de agressões domiciliares alertam que isso pode ser uma prática perigosa. A sessão de aconselhamento pastoral com agressor e vítima, por mais bem intencionada que seja, pode levar a mais violência, quando eles chegam em casa”, alertou Holcomb.

“Os pastores podem fazer mais”, diz o pastor Ed Stetzer, presidente da LifeWay Research. “Quando dois terços dos pastores falam do problema da violência doméstica com sua igreja apenas uma vez por ano, ou até menos, é visível que temos uma desconexão séria da realidade da vida. Os pastores não podem se dar ao luxo de ignorar ou minimizar a seriedade do assunto , quando vidas estão sendo arruinadas pela violência sexual ou doméstica ali mesmo no seu bairro e na sua igreja. A igreja precisa ser parte da solução”, conclui Stetzer.

http://www.spressosp.com.br/2014/07/22/por-que-pastores-nao-falam-sobre-violencia-domestica/

Espiritual mas não Religioso

Mark Oppenheimer


"Espiritualizado, mas não religioso." Tantos americanos se descrevem dessa forma que os profissionais de pesquisa agora dão à frase sua própria categoria nos questionários. Em uma pesquisa de 2012 do Projeto Pew de Pesquisa e Vida Pública, quase um quinto dos entrevistados disse não ter afiliação religiosa –e quase 37% desse grupo disseram ser "espiritualizados", mas não "religiosos" (SBNR, na sigla em inglês). Eles representavam 7% de todos os americanos, um grupo maior que o de os ateístas, e muito maior que o de judeus, muçulmanos e episcopais.

Sem causar surpresa, os SBNR, como este grupo costuma ser chamado, estão atraindo muita atenção. Quatro livros recentes oferecem pontos de vista sobre esses americanos que parecerem querer alguma conexão com o divino, mas que não se sentem afiliados à religião tradicional. Há a pastora que quer atraí-los, duas estudiosas que querem entendê-los e o psicoterapeuta que quer ajudá-los.

O livro da reverenda Lillian Daniel, "When 'Spiritual But Not Religious' Is Not Enough" ("Quando espiritualizado, mas não religioso não basta", em tradução livre, Jericho, 2013), nasceu como um breve ensaio para "The Huffington Post", no qual ela expressou irritação com a previsibilidade que encontrou nas pessoas espiritualizadas, mas não religiosas.

"Nos aviões", escreveu Daniel no ensaio, em 2011, "eu temo a conversa com a pessoa que descobre que sou uma pastora e deseja usar o tempo de voo para explicar para mim que ele é 'espiritualizado, mas não religioso'. Essa pessoa sempre compartilha isso como se fosse algum tipo de entendimento ousado, exclusivo dela, audaciosa em sua rebelião contra o status quo religioso". Em pouco tempo, "ele está me dizendo que encontra Deus no pôr do sol".

"Essas pessoas sempre encontram Deus no pôr do sol", disse Daniel. "E em caminhadas pela praia."

O ensaio se espalhou online, com milhares de "curti" no Facebook e repostagens. Daniel teve retorno de tantas pessoas que decidiu expandir seu ensaio. No livro, Daniel, uma pastora congregacionalista de uma igreja perto de Chicago, argumenta que a espiritualidade se encaixa confortavelmente na complacência, até mesmo no hedonismo –afinal, quem não gosta de caminhadas na natureza?– enquanto a religião é melhor em desafiar as pessoas a enfrentarem a morte, combater a pobreza e se oporem à injustiça. A religião, ao unir as pessoas, na comunidade, em intervalos regulares, facilita a conversa constante sobre assuntos que vão além de si próprio.

"O livro é meio que para a pessoa que, de certa forma, está com um pé dentro e um pé fora da religião", disse Daniel em uma entrevista recente. "Elas sabem que pode ser significativo, mas não sabem como argumentar a respeito, ou contar uma história sobre a vida religiosa que não soe detestável ou julgadora."

Daniel, por sua vez, argumenta de forma forçosa, aparentemente despreocupada com quem possa ofender.

"Ser espiritualizada de modo privado, mas não religiosa, não me interessa", ela escreve. "Não há nada desafiador em ter pensamentos profundos sozinha. O que interessa é fazer esse trabalho na comunidade, onde outras pessoas podem pedir para que prove o que está dizendo ou discordem de você. Onde a vida com Deus fica rica e provocativa é quando você explora uma tradição que você não inventou sozinha."

Mas Linda A. Mercadante, que leciona na Escola Teológica Metodista, em Ohio, contesta essa descrição do espiritualizado, mas não religioso. Em "Beliefs Without Borders: Inside the Minds of the Spiritual, but Not Religious" ("Crenças sem fronteiras: dentro das mentes dos espiritualizados, mas não religiosos", em tradução livre, Oxford), publicado em março, ela argumenta que as pessoas espiritualizadas podem ser teologicamente profundas.

Uma pastora presbiteriana ordenada cujo pai era católico e cuja mãe era judia, Mercadante até mesmo passou pelo seu próprio período de espiritualizada, mas não religiosa –apesar de agora pertencer à Igreja Menonita. Para seu projeto, ela entrevistou 85 SBNR, então usou programas de computador para ajudar a analisar as transcrições dessas entrevistas. Ela descobriu que essas pessoas espiritualizadas também pensam sobre a morte, o pós-vida e outros assuntos profundos.

Por exemplo, "eles rejeitam o céu e inferno, mas acreditam no pós-vida", disse Mercadante recentemente. "De certo modo, eles se encaixariam no contexto cristão progressista." Como não gostam das instituições, os SBNR também recuam diante das deidades em torno das quais essas instituições são construídas. "Eles podem gostar de Jesus, ele pode ser o guru deles, ele pode ser um dos muitos bodhisattvas, mas Jesus como Deus não está na tela de radar deles", disse Mercadante.

Quando Courtney Bender, que atualmente leciona na Universidade de Columbia, saiu à procura das pessoas espiritualizadas, mas não religiosas, em Cambridge, Massachusetts, onde vivia na época, ela as encontrou não em caminhadas solitárias pela natureza, mas em todos os tipos de grupos –o que complica o estereótipo delas como pessoas solitárias anti-instituições. Ela descreveu o que descobriu em "The New Metaphysicals: Spirituality and the American Religious Imagination" ("Os novos metafísicos: espiritualidade e a imaginação religiosa americana", em tradução livre, Chicago, 2010).

Eles "participam de tudo, de grupos de discussão místicos até rodas de percussão e aulas de ioga", disse Bender em uma entrevista. E ela descobriu que a espiritualidade "não é sui generis", mas aprendida em comunidades que persistem com o passar do tempo, e que na verdade vai contra a concepção que as pessoas espiritualizadas têm de si mesmas, ela disse. "Há algo na teologia dos grupos espiritualizados que, na verdade, muda o foco de seus praticantes de pensarem como se encaixam em uma longa espiritualidade contínua."

Em outras palavras, a imagem própria deles "os faz pensar, 'eu não preciso de história, eu não preciso do passado'", disse Bender, acrescentando que eles acham que "eu não sou religioso, uma coisa do passado –e sou espiritualizado, algo do presente".

Mas as pessoas que se consideram espiritualizadas estão na verdade inseridas em práticas comunais, apesar de não igrejas ou denominações religiosas. Bender as encontrou na "medicina alternativa e complementar", por exemplo. "As pessoas encontram essas coisas na clínica de massagem shiatsu ou ao irem a um acupunturista", ela disse.

"Outra que é muito importante é nas artes", ela acrescentou. "Pessoas envolvidas em tudo, da pintura à dança" também acabam discutindo seu conceito do divino.

Logo, a espiritualidade é solitária ou comunal? É teologicamente engajada ou apenas focada na "natureza" e "gratidão", como teme Daniel? A julgar por "A Religion of One's Own: A Guide to Creating a Personal Spirituality in a Secular World" ("Sua própria religião: um guia para criação de uma espiritualidade pessoal em um mundo secular", em tradução livre, Gotham, 2014), por Thomas Moore, cujo "Cuide de Sua Alma" é um dos maiores best-sellers de autoajuda, a espiritualidade pode ser qualquer coisa que alguém quiser. Em seu guia para desenvolvimento de uma espiritualidade sob medida, ele encoraja as pessoas a extraírem elementos da religião, da antirreligião –qualquer coisa que funcione para elas.

"Todo dia eu adiciono algo à religião que é só minha", escreve Moore. "Ela é construída em anos de meditação, cantos, estudos teológicos e na prática de terapia –para mim, uma atividade sagrada."

No mínimo, nós poderíamos concluir que "espiritualizado, mas não religioso" não é necessariamente vago ou insosso. Não é nada, apesar de poder correr o risco de ser tudo.


Tradutor: George El Khouri Andolfato

segunda-feira, 21 de julho de 2014

Como Reconhecer um Leitor de Nietzsche?



"Este livro é para pouquíssimos. E talvez eles ainda não vivam. Seriam aqueles que compreendem meu Zaratustra: como poderia eu confundir aqueles para os quais há ouvidos agora? – Apenas o depois de amanhã é meu. Alguns nascem póstumos.

As condições para que alguém me entenda, e me entenda por necessidade, eu as conheço muito bem. Nas coisas do espírito é preciso ser honesto até a dureza, para apenas suportar a minha seriedade, a minha paixão. É preciso estar habituado a viver nos montes – a ver abaixo de si a deplorável tagarelice atual da política e do egoísmo de nações. É preciso haver se tornado indiferente, é preciso jamais  perguntar se a verdade é útil, se ele vem a ser uma fatalidade para alguém... Uma predileção, própria da força, por perguntas para as quais ninguém hoje tem a coragem; a coragem para o proibido; a predestinação ao labirinto. Uma experiência de sete solidões. Novos ouvidos para nova música. Novos olhos para o mais distante. Uma nova consciência para verdades que até agora permaneceram mudas.  E a vontade para a economia de grande estilo: manter junto sua força, seu entusiasmo... A reverência a si mesmo; o amor a si; a incondicional liberdade ante si mesmo...
                Pois bem! Esses são meus leitores, meus verdadeiros leitores, meus predestinados: que importa o resto? – O resto é apenas a humanidade. – É preciso ser superior à humanidade pela força, pela altura da alma – pelo desprezo..."
Prólogo do livro O Anticristo (1888), de Friedrich Nietzsche, página 9, Companhia das Letras. SP. 2007.

sexta-feira, 11 de julho de 2014

O poder na perspectiva de Foucault

Por Marcio Pimentel em 3 de julho de 2014
Levantemos os seguintes questionamentos: o que é o poder e como ele se manifesta nas instituições? Este problema pode ser dividido em duas questões fundamentais para a compreensão do nosso tema. A primeira, de base introdutória, consiste em saber o que é poder para Foucault, ou melhor, como ele entende o poder. E a segunda é como o poder se exerce dentro das instituições, especificamente a escola. Bem, colocar essas questões pode nos levar por inúmeros caminhos, seja porque Foucault é um pensador plural e sua obra é de uma riqueza imensa, ou seja, por seu pensamento ser transversal, perpassando várias das “ciências humanas”, como a filosofia, a psicologia, o direito, a história e a sociologia.

O nosso objetivo não é de nos fecharmos em uma definição do pensamento de Foucault em torno da temática do poder, mas sim o de expor algumas idéias relativas à juventude e à relação que esta tem com “o poder” em suas vivências escolares, com base no pensamento do referido autor. E também, como visa a primeira questão, saber o que é “o poder” para o pensador, como ele lida com essa questão.

A questão do poder aparece na obra de Foucault em um momento de transição de seus estudos: do período arqueológico, que é voltado para os problemas concernentes “… à constituição dos saberes e inclui os principais livros publicados na década de 1960: A história da loucura (1961), O nascimento da clínica (1963), As palavras e as coisas (1966) e A arqueologia do saber (1969)” (MUCHAIL, 2004: 9), ao segundo período, o genealógico. Este “… é centrado sobre as questões relativas aos mecanismos do poder e inclui os principais livros da década de 1970: Vigiar e punir (1975) e o volume I da História da sexualidade, intitulado A vontade de saber (1976).” (MUCHAIL, 2004: 10). De acordo com Roberto Machado (1985)o surgimento da questão do poder, é “… uma reformulação de objetivos teóricos e políticos que, se não estavam ausentes dos primeiros livros, ao menos não eram explicitamente colocados, complementando o exercício de uma arqueologia do saber pelo projeto de uma genealogia do poder.”(MACHADO, 1985: 7)

A forma como Foucault aborda o poder é muito peculiar, pois este não é algo físico e palpável, ou uma idéia bem definida, ou até mesmo um conceito fixo e estável. Ele mesmo fala do poder como uma coisa enigmática queé“… ao mesmo tempo visível e invisível, presente e oculta, investida em toda parte…”(FOUCAULT, 1985: 75).É válido acrescentar que o poder, enquanto objeto de estudo, em sua obra denota um nominalismo, porque este “… é o nome dado a uma situação estratégica complexa numa sociedade determinada.” (FOUCAULT, 1999: 89), modo como ele se refere ao poder em um de seus livros do período genealógico.

Trata-se, portanto, de uma questão muito importante em seus estudos que, num primeiro momento, fora abordada de forma implícita, onde o objetivo era descrever as relações de poder; já num segundo momento a analítica do poder aparece de forma mais explícita e declarada, com o objetivo de compreender o surgimento dos saberes e sua relação com o poder, complementando assim o projeto de uma genealogia do poder como vimos acima.

Se tentarmos responder à questão colocada – ‘o que é poder para Foucault? ’ – não teremos tanto sucesso, pois não encontramos uma teoria do poder no autor, “O que significa dizer que suas análises não consideram o poder como uma realidade que possua uma natureza, uma essência que ele procuraria definir por suas características universais.” (MACHADO, 1985: 10). ‘O Poder’ não existe, o que existe são relações de poder, isto é,“… formas díspares, heterogêneas, em constante transformação. O poder não é um objeto natural, uma coisa; é uma prática social e, como tal, constituída historicamente.” (MACHADO, 1985: 10).

Na verdade, o que constitui o objeto de estudo de Foucault são as práticas sociais nas quais se desenvolvem relações de poder, ou seja, o poder deve ser visto como uma relação de forças que se exerce em todo o tecido social. De acordo com esta idéia, vejamos o que Gilles Deleuze (1988) diz a respeito do que é o poder na perspectiva de Foucault:

o poder é uma relação de forças, ou melhor toda relação de forças é uma “relação de poder”. Compreendamos primeiramente que o poder não é uma forma, por exemplo, a forma-Estado; e que a relação de poder não se estabelece entre duas formas, como o saber. Em segundo lugar, a força não esta nunca no singular, ela tem como característica essencial estar em relação com outras forças, de forma que toda força já é relação, isto é, poder. (DELEUZE, 1988: 78).

Compreende-se então que esta relação de forças, que é o poder, é sempre uma situação estratégica onde estamos uns em relação aos outros e de acordo com Foucault (1984) “só existe o poder que se exerce por uns sobre os outros; o poder só existe no ato, mesmo se ele se inscreve num campo de possibilidades em desordem que se apóiam em estruturas permanentes.” (FOUCAULT, 1984: 10).Por exemplo, as vivências dos jovens nas instituições escolares estão imbuídas de relações de forças, na medida em que sofre as ações do exercício dos poderes dentro desse campo de possibilidades que é a escola, uma instituição que tem o papel de formar, informar, moldar, preparar, impor e transmitir por meio de uma série de procedimentos de poder: confinamento, vigilância, recompensa e punição e hierarquia piramidal (Foucault, 1984). Os estudantes que aí estão são apenas agentes passivos, recebendo estas ações de acordo com o que lhe é esperado. Tudo isso em uma espécie de guerra ou combate (onde há uma demonstração de forças entre os indivíduos), ou seja, entre os especialistas que trabalham na escola e os alunos que nele estudam. Ressaltamos também que a força enquanto ralação de poder “é ‘uma ação sobre a ação, sobre as ações eventuais, ou atuais, futuras ou presentes’, é ‘um conjunto de ações sobre ações possíveis’.” (DELEUZE, 1988: 78 e 79). A respeito disto o próprio Foucault (1984) diz que o poder:

É um conjunto de ações sobre ações possíveis: ele opera sobre o campo de possibilidades aonde se vêm inscrever o comportamento dos sujeitos atuantes: ele incita, ele induz, ele contorna, ele facilita ou torna mais difícil, ele alarga ou limita, ele torna mais ou menos provável; no limite ele constrange ou impede completamente; mas ele é sempre uma maneira de agir sobre um ou sobre sujeitos atuantes, enquanto eles agem ou são susceptíveis de agir. Uma ação sobre ações. (FOUCAULT, 1984: 11)

 Ações estas às quais foram, estão ou vão ser submetidos todos os agentes educacionais numa instituição escolar. Foucault (1982) afirma que não podemos nos lançar fora das situações e que em nenhum lugar estamos livres de toda a relação de poder. Então se estamos todos submetidos às relações de poder, como dito acima, deve haver uma forma de enfrentá-las, de reagir, ou melhor, de resistir. Indo ao encontro com uma afirmação do pensador em uma entrevista concedida ao The Advocate (uma revista estadunidense dedicada à comunidade LGBT desde 1969) onde ele discorre sobre poder e resistência, entendemos que o poder só se exerce onde há resistência a ele, e da mesma forma só há resistência onde há relações de poder; se não há resistência, não há relação de poder(FOUCAULT, 1982).

Contudo o poder não se dá, não se troca e muito menos se retoma, mas se exerce, só existe em todos os lugares possíveis da sociedade (FOUICAULT, 1985); numa referência ao exercício do poder, Machado (1985) afirma que o os poderes, ou melhor, os micro-poderes se exercem em níveis e instâncias variados da rede social, sendo eles interligados ou não ao Estado, que fora considerado aparelho central de poder.

Para aprofundar esse questionamento acerca do que Foucault entende por poder, devemos considerar um aspecto muito importante de suas análises das relações de poder que consiste em saber como elas se dão, ou, dito de outro modo, como o poder se exerce. Ele mesmo nos responde ao afirma que “O poder funciona e se exerce em rede.” (FOUCAULT, 1985: 183) e no primeiro volume de História da sexualidade ele ainda afirma: “O poder está em toda parte; não porque englobe tudo, e sim porque provém de todos os lugares”(FOUCAULT, 1999: 89), ou seja, o poder espalha-se por todo o tecido social. Nas palavras de Fernando Donner (2009) o poder para Foucault não esta localizado em um lugar específico, em um único ponto, mas dissemina-se e espalha-se por toda a estrutura social, funcionando como uma rede de dispositivos ou mecanismos que a atravessam de modo que nada nem ninguém escapam de suas malhas.

Segundo Michel Foucault:

Nas suas malhas os indivíduos não só circulam mas estão sempre em posição de exercer este poder e de sofrer sua ação; nunca são o alvo inerte ou consentido do poder, são sempre centros de transmissão. Em outros termos, o poder não se aplica aos indivíduos, passa por eles. Não se trata de conceber o indivíduo como uma espécie de núcleo elementar, átomo primitivo, matéria múltipla e inerte que o poder golpearia e sobre o qual se aplicaria, submetendo os indivíduos ou estraçalhando−os. Efetivamente, aquilo que faz com que um corpo, gestos, discursos e desejos sejam identificados e constituídos enquanto indivíduos é um dos primeiros efeitos de poder. Ou seja, o indivíduo não é o outro do poder: é um de seus primeiros efeitos. O indivíduo é um efeito do poder e simultaneamente, ou pelo próprio fato de ser um efeito, é seu centro de transmissão. O poder passa através do indivíduo que ele constituiu. (FOUCAULT, 1985: 183 – 184).
Percebe-se que os indivíduos não são totalmente passivos diante das ações que constituem as relações de poder, porque estes não só são afetados como também afetam, de acordo com as práticas sociais desenvolvidas e na medida em que o poder passa por eles atravessando-os, atingindo tudo e todos em sua realidade mais imediata. Logo ele perpassa a vida cotidiana, penetra-a, atinge as vivências mais concretas dos indivíduos. Acerca disso, acrescentemos: “Poder este que intervém materialmente, atingindo a realidade mais concreta dos indivíduos [...] penetrando na vida cotidiana e por isso podendo ser caracterizado como micro-poder ou sub-poder.”(MACHADO, 1985: 12).

Em um complemento, Foucault (1984) ainda afirma que:

Esta forma de poder exerce-se sobre a vida quotidiana imediata, que classifica os indivíduos em categorias, os designa pela sua individualidade própria, liga-os à sua identidade, impõe-lhes uma lei de verdade que é necessário reconhecer e que os outros devem reconhecer neles. É uma forma de poder que transforma os indivíduos em sujeitos. (FOUCAULT, 1984: 5).

É o que podemos chamar, em um sentido, de sujeição dos que são vistos como objetos e, num outro sentido, a objetivação dos que se sujeitam. Isto é realizado pela disciplina, que, segundo Foucault, fabrica indivíduos, tomando-os como objetos e como instrumentos de seu exercício.

Em suma, fechamos este artigo com as considerações de Foucault a respeito disso:

O individuo é sem dúvida o átomo fictício de uma representação “ideológica” da sociedade; mas é também uma realidade fabricada por essa tecnologia específica de poder que se chama a “disciplina”. Temos que deixar de descrever sempre os efeitos de poder em termos negativos: ele “exclui”, “reprime”, “recalca”, “censura”, “abstrai”, “mascara”, “esconde”. Na verdade o poder produz; ele produz realidade; produz campos de objetos e rituais da verdade. O indivíduo e o conhecimento que dele se pode ter se originam nessa produção. (FOUCAULT, 2009: 185).

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.
DANNER, Fernando. A Genealogia do Poder em Michel Foucault. In. IV Mostra de Pesquisada Pós Graduação PUCRS: 2009. p 786-794. 09 p. Disponível em: <http://www.pucrs.br/edipucrs/IVmostra/IV_MOSTRA_PDF/Filosofia/71464-FERNANDO_DANNER.pdf> Acesso em 09 out. 2010.
DELEUZE, Gilles. Foucault. Tradução de Claudia Sant’ Anna Martins. São Paulo: brasiliense, 1988. 142 p.
FILHO, Ciro Marcondes. Televisão: a vida pelo vídeo. São Paulo: Scipione: 1988. 85 p.
FOUCULT, Michel. “Deux essais sur le sujet et le pouvoir”, in Hubert Freyfus e Paul Rabinow, Michel Foucault. Un parcours philosophique, Paris, Gallimard, 1984, p. 297-321. 15 p. Disponível em: Acesso em: 16 out. 2010.
_______________. an Interview: Sex, Power and the Politics of Identity; entrevista com B. Gallaghere A. Wilson, Toronto, junho de 1982; The Advocate, n. 400, 7 de agosto de 1984, pp. 26-30 e 58. 11 p. Disponível em: <http://filoesco.unb.br/foucault/sexo.pdf> Acesso em: 21 jul. 2010
_______________. Microfísica do Poder. Tradução de Roberto Machado. Rio de janeiro: Graal, 5 ed. 1985. 295 p.
_______________. Historia da sexualidade I: a vontade de saber. Tradução Maria Thereza da Costa Albuquerque e J. A. Guilhon Albuquerque. Rio de janeiro: Graal, 13 ed. 1999. 151 p.
______________. Vigiar e Punir: nascimento da prisão. Tradução de Raquel Ramalhete. Petrópolis, RJ: Vozes, 36 ed. 2009. 291 p.
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http://www.publikador.com/educacao/marcio/2014/07/o-poder-na-perspectiva-de-foucault/