sexta-feira, 11 de julho de 2014

O poder na perspectiva de Foucault

Por Marcio Pimentel em 3 de julho de 2014
Levantemos os seguintes questionamentos: o que é o poder e como ele se manifesta nas instituições? Este problema pode ser dividido em duas questões fundamentais para a compreensão do nosso tema. A primeira, de base introdutória, consiste em saber o que é poder para Foucault, ou melhor, como ele entende o poder. E a segunda é como o poder se exerce dentro das instituições, especificamente a escola. Bem, colocar essas questões pode nos levar por inúmeros caminhos, seja porque Foucault é um pensador plural e sua obra é de uma riqueza imensa, ou seja, por seu pensamento ser transversal, perpassando várias das “ciências humanas”, como a filosofia, a psicologia, o direito, a história e a sociologia.

O nosso objetivo não é de nos fecharmos em uma definição do pensamento de Foucault em torno da temática do poder, mas sim o de expor algumas idéias relativas à juventude e à relação que esta tem com “o poder” em suas vivências escolares, com base no pensamento do referido autor. E também, como visa a primeira questão, saber o que é “o poder” para o pensador, como ele lida com essa questão.

A questão do poder aparece na obra de Foucault em um momento de transição de seus estudos: do período arqueológico, que é voltado para os problemas concernentes “… à constituição dos saberes e inclui os principais livros publicados na década de 1960: A história da loucura (1961), O nascimento da clínica (1963), As palavras e as coisas (1966) e A arqueologia do saber (1969)” (MUCHAIL, 2004: 9), ao segundo período, o genealógico. Este “… é centrado sobre as questões relativas aos mecanismos do poder e inclui os principais livros da década de 1970: Vigiar e punir (1975) e o volume I da História da sexualidade, intitulado A vontade de saber (1976).” (MUCHAIL, 2004: 10). De acordo com Roberto Machado (1985)o surgimento da questão do poder, é “… uma reformulação de objetivos teóricos e políticos que, se não estavam ausentes dos primeiros livros, ao menos não eram explicitamente colocados, complementando o exercício de uma arqueologia do saber pelo projeto de uma genealogia do poder.”(MACHADO, 1985: 7)

A forma como Foucault aborda o poder é muito peculiar, pois este não é algo físico e palpável, ou uma idéia bem definida, ou até mesmo um conceito fixo e estável. Ele mesmo fala do poder como uma coisa enigmática queé“… ao mesmo tempo visível e invisível, presente e oculta, investida em toda parte…”(FOUCAULT, 1985: 75).É válido acrescentar que o poder, enquanto objeto de estudo, em sua obra denota um nominalismo, porque este “… é o nome dado a uma situação estratégica complexa numa sociedade determinada.” (FOUCAULT, 1999: 89), modo como ele se refere ao poder em um de seus livros do período genealógico.

Trata-se, portanto, de uma questão muito importante em seus estudos que, num primeiro momento, fora abordada de forma implícita, onde o objetivo era descrever as relações de poder; já num segundo momento a analítica do poder aparece de forma mais explícita e declarada, com o objetivo de compreender o surgimento dos saberes e sua relação com o poder, complementando assim o projeto de uma genealogia do poder como vimos acima.

Se tentarmos responder à questão colocada – ‘o que é poder para Foucault? ’ – não teremos tanto sucesso, pois não encontramos uma teoria do poder no autor, “O que significa dizer que suas análises não consideram o poder como uma realidade que possua uma natureza, uma essência que ele procuraria definir por suas características universais.” (MACHADO, 1985: 10). ‘O Poder’ não existe, o que existe são relações de poder, isto é,“… formas díspares, heterogêneas, em constante transformação. O poder não é um objeto natural, uma coisa; é uma prática social e, como tal, constituída historicamente.” (MACHADO, 1985: 10).

Na verdade, o que constitui o objeto de estudo de Foucault são as práticas sociais nas quais se desenvolvem relações de poder, ou seja, o poder deve ser visto como uma relação de forças que se exerce em todo o tecido social. De acordo com esta idéia, vejamos o que Gilles Deleuze (1988) diz a respeito do que é o poder na perspectiva de Foucault:

o poder é uma relação de forças, ou melhor toda relação de forças é uma “relação de poder”. Compreendamos primeiramente que o poder não é uma forma, por exemplo, a forma-Estado; e que a relação de poder não se estabelece entre duas formas, como o saber. Em segundo lugar, a força não esta nunca no singular, ela tem como característica essencial estar em relação com outras forças, de forma que toda força já é relação, isto é, poder. (DELEUZE, 1988: 78).

Compreende-se então que esta relação de forças, que é o poder, é sempre uma situação estratégica onde estamos uns em relação aos outros e de acordo com Foucault (1984) “só existe o poder que se exerce por uns sobre os outros; o poder só existe no ato, mesmo se ele se inscreve num campo de possibilidades em desordem que se apóiam em estruturas permanentes.” (FOUCAULT, 1984: 10).Por exemplo, as vivências dos jovens nas instituições escolares estão imbuídas de relações de forças, na medida em que sofre as ações do exercício dos poderes dentro desse campo de possibilidades que é a escola, uma instituição que tem o papel de formar, informar, moldar, preparar, impor e transmitir por meio de uma série de procedimentos de poder: confinamento, vigilância, recompensa e punição e hierarquia piramidal (Foucault, 1984). Os estudantes que aí estão são apenas agentes passivos, recebendo estas ações de acordo com o que lhe é esperado. Tudo isso em uma espécie de guerra ou combate (onde há uma demonstração de forças entre os indivíduos), ou seja, entre os especialistas que trabalham na escola e os alunos que nele estudam. Ressaltamos também que a força enquanto ralação de poder “é ‘uma ação sobre a ação, sobre as ações eventuais, ou atuais, futuras ou presentes’, é ‘um conjunto de ações sobre ações possíveis’.” (DELEUZE, 1988: 78 e 79). A respeito disto o próprio Foucault (1984) diz que o poder:

É um conjunto de ações sobre ações possíveis: ele opera sobre o campo de possibilidades aonde se vêm inscrever o comportamento dos sujeitos atuantes: ele incita, ele induz, ele contorna, ele facilita ou torna mais difícil, ele alarga ou limita, ele torna mais ou menos provável; no limite ele constrange ou impede completamente; mas ele é sempre uma maneira de agir sobre um ou sobre sujeitos atuantes, enquanto eles agem ou são susceptíveis de agir. Uma ação sobre ações. (FOUCAULT, 1984: 11)

 Ações estas às quais foram, estão ou vão ser submetidos todos os agentes educacionais numa instituição escolar. Foucault (1982) afirma que não podemos nos lançar fora das situações e que em nenhum lugar estamos livres de toda a relação de poder. Então se estamos todos submetidos às relações de poder, como dito acima, deve haver uma forma de enfrentá-las, de reagir, ou melhor, de resistir. Indo ao encontro com uma afirmação do pensador em uma entrevista concedida ao The Advocate (uma revista estadunidense dedicada à comunidade LGBT desde 1969) onde ele discorre sobre poder e resistência, entendemos que o poder só se exerce onde há resistência a ele, e da mesma forma só há resistência onde há relações de poder; se não há resistência, não há relação de poder(FOUCAULT, 1982).

Contudo o poder não se dá, não se troca e muito menos se retoma, mas se exerce, só existe em todos os lugares possíveis da sociedade (FOUICAULT, 1985); numa referência ao exercício do poder, Machado (1985) afirma que o os poderes, ou melhor, os micro-poderes se exercem em níveis e instâncias variados da rede social, sendo eles interligados ou não ao Estado, que fora considerado aparelho central de poder.

Para aprofundar esse questionamento acerca do que Foucault entende por poder, devemos considerar um aspecto muito importante de suas análises das relações de poder que consiste em saber como elas se dão, ou, dito de outro modo, como o poder se exerce. Ele mesmo nos responde ao afirma que “O poder funciona e se exerce em rede.” (FOUCAULT, 1985: 183) e no primeiro volume de História da sexualidade ele ainda afirma: “O poder está em toda parte; não porque englobe tudo, e sim porque provém de todos os lugares”(FOUCAULT, 1999: 89), ou seja, o poder espalha-se por todo o tecido social. Nas palavras de Fernando Donner (2009) o poder para Foucault não esta localizado em um lugar específico, em um único ponto, mas dissemina-se e espalha-se por toda a estrutura social, funcionando como uma rede de dispositivos ou mecanismos que a atravessam de modo que nada nem ninguém escapam de suas malhas.

Segundo Michel Foucault:

Nas suas malhas os indivíduos não só circulam mas estão sempre em posição de exercer este poder e de sofrer sua ação; nunca são o alvo inerte ou consentido do poder, são sempre centros de transmissão. Em outros termos, o poder não se aplica aos indivíduos, passa por eles. Não se trata de conceber o indivíduo como uma espécie de núcleo elementar, átomo primitivo, matéria múltipla e inerte que o poder golpearia e sobre o qual se aplicaria, submetendo os indivíduos ou estraçalhando−os. Efetivamente, aquilo que faz com que um corpo, gestos, discursos e desejos sejam identificados e constituídos enquanto indivíduos é um dos primeiros efeitos de poder. Ou seja, o indivíduo não é o outro do poder: é um de seus primeiros efeitos. O indivíduo é um efeito do poder e simultaneamente, ou pelo próprio fato de ser um efeito, é seu centro de transmissão. O poder passa através do indivíduo que ele constituiu. (FOUCAULT, 1985: 183 – 184).
Percebe-se que os indivíduos não são totalmente passivos diante das ações que constituem as relações de poder, porque estes não só são afetados como também afetam, de acordo com as práticas sociais desenvolvidas e na medida em que o poder passa por eles atravessando-os, atingindo tudo e todos em sua realidade mais imediata. Logo ele perpassa a vida cotidiana, penetra-a, atinge as vivências mais concretas dos indivíduos. Acerca disso, acrescentemos: “Poder este que intervém materialmente, atingindo a realidade mais concreta dos indivíduos [...] penetrando na vida cotidiana e por isso podendo ser caracterizado como micro-poder ou sub-poder.”(MACHADO, 1985: 12).

Em um complemento, Foucault (1984) ainda afirma que:

Esta forma de poder exerce-se sobre a vida quotidiana imediata, que classifica os indivíduos em categorias, os designa pela sua individualidade própria, liga-os à sua identidade, impõe-lhes uma lei de verdade que é necessário reconhecer e que os outros devem reconhecer neles. É uma forma de poder que transforma os indivíduos em sujeitos. (FOUCAULT, 1984: 5).

É o que podemos chamar, em um sentido, de sujeição dos que são vistos como objetos e, num outro sentido, a objetivação dos que se sujeitam. Isto é realizado pela disciplina, que, segundo Foucault, fabrica indivíduos, tomando-os como objetos e como instrumentos de seu exercício.

Em suma, fechamos este artigo com as considerações de Foucault a respeito disso:

O individuo é sem dúvida o átomo fictício de uma representação “ideológica” da sociedade; mas é também uma realidade fabricada por essa tecnologia específica de poder que se chama a “disciplina”. Temos que deixar de descrever sempre os efeitos de poder em termos negativos: ele “exclui”, “reprime”, “recalca”, “censura”, “abstrai”, “mascara”, “esconde”. Na verdade o poder produz; ele produz realidade; produz campos de objetos e rituais da verdade. O indivíduo e o conhecimento que dele se pode ter se originam nessa produção. (FOUCAULT, 2009: 185).

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.
DANNER, Fernando. A Genealogia do Poder em Michel Foucault. In. IV Mostra de Pesquisada Pós Graduação PUCRS: 2009. p 786-794. 09 p. Disponível em: <http://www.pucrs.br/edipucrs/IVmostra/IV_MOSTRA_PDF/Filosofia/71464-FERNANDO_DANNER.pdf> Acesso em 09 out. 2010.
DELEUZE, Gilles. Foucault. Tradução de Claudia Sant’ Anna Martins. São Paulo: brasiliense, 1988. 142 p.
FILHO, Ciro Marcondes. Televisão: a vida pelo vídeo. São Paulo: Scipione: 1988. 85 p.
FOUCULT, Michel. “Deux essais sur le sujet et le pouvoir”, in Hubert Freyfus e Paul Rabinow, Michel Foucault. Un parcours philosophique, Paris, Gallimard, 1984, p. 297-321. 15 p. Disponível em: Acesso em: 16 out. 2010.
_______________. an Interview: Sex, Power and the Politics of Identity; entrevista com B. Gallaghere A. Wilson, Toronto, junho de 1982; The Advocate, n. 400, 7 de agosto de 1984, pp. 26-30 e 58. 11 p. Disponível em: <http://filoesco.unb.br/foucault/sexo.pdf> Acesso em: 21 jul. 2010
_______________. Microfísica do Poder. Tradução de Roberto Machado. Rio de janeiro: Graal, 5 ed. 1985. 295 p.
_______________. Historia da sexualidade I: a vontade de saber. Tradução Maria Thereza da Costa Albuquerque e J. A. Guilhon Albuquerque. Rio de janeiro: Graal, 13 ed. 1999. 151 p.
______________. Vigiar e Punir: nascimento da prisão. Tradução de Raquel Ramalhete. Petrópolis, RJ: Vozes, 36 ed. 2009. 291 p.
MACHADO, Roberto. “Por uma Genealogia do Poder”. In: FOUCAULT, Michel. Microfísica do Poder. Tradução de Roberto Machado Rio de Janeiro: Graal, 5 ed. 1985. 295 p.
MAGALHAES, Teresa Calvat de. A filosofia como discurso da modernidade. Revista Ética e Filosofia Política. Juiz de fora, MG, v. 2, n. 1, p. 29-64. 1997.
MUCHAIL, Salma Tannus. Foucault, Simplesmente: textos reunidos. São Paulo: Loyola, 2004. 138 p.

http://www.publikador.com/educacao/marcio/2014/07/o-poder-na-perspectiva-de-foucault/

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