1. Por isso Maria
Madalena, sendo tão estimada em sua pessoa, como antes o era, não se importou
com a turba de homens, consideráveis ou não, que assistiam como convidados ao
banquete; nem reparou que não lhe ficava bem ir chorar e derramar lágrimas
entre essas pessoas; tudo isto fez, a troco de poder chegar junto d’Aquele por
quem sua alma estava ferida e inflamada. É ainda embriaguez e ousadia própria
do amor: saber que seu Amado estava encerrado no sepulcro com uma grande pedra
selada, cercado de soldados guardando-O para seus discípulos não O furtarem (Jo
20,1), e, todavia, não ponderar qualquer destes obstáculos, mas ir, antes do
romper do dia, com unguentos a fim de ungi-Lo.
2. E, finalmente,
essa embriaguez e ânsia de amor fez com que ela perguntasse àquele que lhe
parecia ser o hortelão, se havia furtado o corpo do sepulcro. Pediu-lhe ainda,
se tal fosse o caso, que dissesse onde o havia posto, para ela ir buscá-Lo (Jo
20, 15). Não reparou que tal pergunta, em livre juízo e razão, era disparate;
pois, é claro, se o homem o havia furtado, não havia de confessar, e, menos
ainda, de o deixar tomar. Tal é a condição do amor em sua força e veemência:
tudo lhe parece possível, e imagina que todos andam ocupados naquilo mesmo que
o ocupa. Não admite que haja outra coisa em que pessoa alguma possa cuidar, ou
procurar, senão o objeto a quem ele ama e procura. Parece-lhe não haver mais
nada que buscar, nem em que se empregar, a não ser nisso, e julga que todos o
andam buscando. Por esta razão, quando a Esposa saiu a procurar seu Amado,
pelas praças e arrabaldes, ia pensando que todo o mundo também O procurava, e
assim dizia a todos que, se O achassem, dissessem a Ele o quanto penava por seu
amor (Cânt 5, 8). De semelhante condição era o amor desta Maria; julgava ela
que, se o hortelão lhe dissesse onde havia escondido o corpo de seu Amado, ela
mesma o iria buscar e o carregaria, por mais que lhe fosse proibido.
Fonte: A Noite Escura
da Alma – São João da Cruz
Capítulo XIII: Outros
Saborosos Efeitos Produzidos na Alma por esta Noite Escura de Contemplação
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