Já fui! não sou mais! Prefiro ser o que
era antes, desde que entrei na Igreja, que na época chamava-se Igreja Episcopal
do Brasil (IEB), e alguns anos antes do meu ingresso ainda era Igreja Episcopal
Brasileira. Sou Episcopaliano, ou como se dizia antigamente, sou Episcopal.
Estou com saudades da Igreja que eu conheci e que hoje parece estar moribunda!
Saudosismo decorrente da idade? Não! Indignação
por ver deteriorarem-se os valores que tocaram meu coração e me fizeram um
apaixonado pela Igreja Episcopal, meu espaço de comunhão íntima com Deus, em
comunidade!
(Aqui novamente peço a compreensão dos
leitores não episcopalianos ou anglicanos por tratar de um assunto muito
específico… mas talvez essa reflexão possa ajudá-los a refletir sobre suas
próprias denominações).
O problema é que sob o substantivo (ou
seria adjetivo?) “anglicano” se identificam muitas coisas, denominações e
seitas, e adjetivos complementares sem qualquer nexo (anglo-qualquer-coisa)! Ou
seja, não sei mais o que significa “anglicano” hoje! Antes era uma Comunhão!
mas agora parece ser uma confusão!
Não nasci na Igreja Episcopal, mas a
descobri por indicação de um Bispo Romano, amigo de minha família, aos 19 anos.
Conheci a Igreja Episcopal e nela encontrei acolhida e espaço para desenvolver
minha espiritualidade de recém convertido a Jesus Cristo, isso há 43 anos.
Cresci muito na minha fé e espiritualidade graças à saudável combinação de
Sacramento e Palavra, Liturgia e Escritura. Fui me tornando episcopaliano
lentamente, de forma sadia, descobrindo as imensas riquezas da Igreja em sua
diversidade. Não havia a frieza protestante da concentração racional na
Palavra, nem o vazio de conteúdo dos ritos romanos cujos padres, à época,
tratavam o povo como criança nos “sermões”. Aprendi a conviver com os
diferentes dentro do espírito de comunhão em Cristo e pertença a uma Comunidade
cuja diversidade é sua identidade.
As diferenças não eram partidarismos,
mas expressões de diferentes maneiras de viver a espiritualidade cristã, e isso
não criava muros de separação nem de discriminação. Convivíamos todos em meio a
um saudável clima de amizade solidária e bons debates teológicos sem que
houvesse qualquer teor de personalismos e individualismos. Ninguém se autoproclamava
dono da verdade, mas a Verdade se expressava em meio à diversidade de
compreensões e experiências.
Era uma igreja ufanista, infantilmente
ufanista! não era um ufanismo de poder, mas de imitação e auto identificação
com a Igreja dos EUA; mas, ao mesmo tempo, havia o fato que, em nosso meio,
todos eram bem acolhidos – antes mesmo de inventarem a tal inclusividade. Uma
Igreja que crescia lentamente pela adesão de pessoas inteligentes que buscavam
uma alternativa de vivência cristã engajada e espiritualidade solidária. Haviam
muitos problemas, falta de visão e planejamento e alguns personalismos, mas
isso não nos afastava uns dos outros. Nós brincávamos com as nossas diferenças
em clima de real amizade e verdadeira solidariedade. Nas reuniões litúrgicas ou
de estudo das diferentes comunidades percebia-se claramente forte piedade e
senso de compromisso.
Eu costumo dizer – e isso aprendi com
meus mestres – que o nosso “ethos” não se aprende pela razão através de manuais
ou confissões doutrinárias, mas através da vivência com a diversidade da
Igreja, tendo o quadrilátero de Lambeth-Chicago como pano de fundo. Apesar de
toda pompa que havia em alguns cerimoniais das comunidades mais litúrgicas,
havia uma simplicidade que se traduzia no acolhimento carinhoso de todos por
todos. E apesar da simplicidade de comunidades mais próximas ao universo
protestante, havia uma profunda piedade e reflexão a partir da Palavra de Deus
e da Tradição Cristã com suas muitas vertentes. O clero não era arrogante, mas
quase todos eram bons pastores, curas de almas como se dizia. Os Bispos eram
homens simples, próximos, com senso paternal e ao mesmo tempo exerciam sua
autoridade de forma segura e madura, embora em sua grande maioria tentassem
centralizar a administração e não estavam preparados para isso; todavia, não
estavam contaminados pelo espírito de príncipes ou da verticalidade hierárquica
romanista. A Igreja se expressava através das dioceses, e o conceito de
Província era muito mais um símbolo de unidade eclesial que burocracia
estrutural eclesiástica e curial!
Como na maioria das Igrejas Históricas,
a reflexão teológica existia e se expandia a partir do Seminário, ao qual fui
admitido como estudante avulso (e pagava regularmente minha mensalidade sem
descontos) quase ao mesmo tempo em que fui recebido na Igreja, porque eu
pretendia estudar Teologia e buscar horizontes vocacionais – razão pela qual o
Bispo amigo de minha família, um bom pastor, me sugeriu conhecer a Igreja
Episcopal. O STIEB (Seminário Teológico da Igreja Episcopal do Brasil), na
época sediado em São Paulo, era espaço ecumênico por excelência, tanto em nível
docente quanto discente.
O lento aprendizado sobre o ser da
Igreja Episcopal (“ethos”), a sabedoria pastoral do clero e dos Bispos com quem
convivi, em verdadeiro espírito de companheirismo, fez minha vocação amadurecer
por 14 longos anos de postulantado, mais um ano como Candidato às Sagradas
Ordens. O fechamento do Seminário complicou minha formação teológica regular,
mas graças ao carinho dos antigos professores e do Bispo Takatsu, fui estudando
Teologia em diferentes instituições, e no então nascente IAET, sob a tutela do
próprio Bispo, sempre às minhas próprias expensas (nunca fui bolsista da
Igreja). Na mesma época eu estudava filosofia, economia e depois matemática;
trabalhava para me manter (fui analista de sistemas da primeira geração no
Brasil); militava no movimento estudantil e no movimento ecumênico que era
pouco institucional. Tempos da repressão e da ditadura militar, a Igreja (a bem
da verdade, uma boa parte das Igrejas, não só a IEB) era espaço de resistência
política, de reflexão ética e também de refúgio para os perseguidos.
Os tempos mudaram, a Igreja também…
Perdemos, cada vez mais, o senso
salutar de diversidade em comunhão; aquilo que deveria ser simplesmente estilo
e ênfase decorrentes de uma vivência pessoal ou comunitária (“churchmanship”)
vem se tornando movimento partidário provocador de desunião e antipatias, sendo
profundamente segregacionista; já nos trouxe um cisma (Recife) e nos coloca sob
risco de outros. Tenho visto clérigos e seminaristas assumindo modismos e
“tradições” sem realmente terem clareza do conteúdo – muita pompa e pouca
igreja! Aproveitando uma ideia de Kierkegaard,“A fé não é, pois, um impulso de ordem estética;
é de outra ordem muito mais alta, exatamente porque pressupõe resignação. (…)
Pois é necessário possuir força, energia e liberdade espiritual para efetuar o
movimento de fé.” (in Temor e Tremor) tenho para mim que preocupações
exageradas quanto à forma indicam pouco ou nenhum conteúdo…
O problema da IEAB, e das Igrejas
Históricas em geral, é que estão se tornando Igrejas Histéricas e Estéreis (e
incluo também a Igreja de Roma) diante da onda neoliberal do individualismo e
da prosperidade a qualquer preço. As Igrejas tentam compreender e enfrentar o
mundanismo da pós-modernidade a partir de análises “científicas”, esquecendo-se
que antes é preciso colocar-se de joelhos, e clamar pela Luz que vem do Alto…
Precisamos recuperar o senso de piedade
salutar ao invés de buscarmos modismos estéreis; deixar de catar a esmo
riquezas do baú da Tradição Herdada sem refletir sobre as origens da Tradição;
e parar de brincar com identidades que mal compreendemos ou são estranhas à
nossa história e formação cultural como brasileiros e membros de uma Igreja que
se enquadra historicamente no conceito de Protestantismo de Missão, embora
tenhamos algo a ver também com o Protestantismo de Imigração, especialmente na
região de São Paulo e Norte do Paraná (comunidades de origem japonesa).
Aposta-se hoje no crescimento da Igreja
em termos da quantidade de gente atraída pelos artifícios do “marketing da
bênção” e da venda de sacramentos para a vaidade da classe média decadente
(“casar na Igreja do casamento do Príncipe!”), crescimento rápido sem conteúdo,
clientela consumidora de rituais e de personalismos clericais ao invés de fiéis
a Jesus Cristo. Há uma necessidade de expandir o mercado e atingir novas
clientelas, bem de acordo com a proposta do neoliberalismo que assola o mundo.
Tudo isso em busca de “recur$o$” para garantir a sobrevivência de uma
instituição que, nos últimos 35 anos, foi incompetente na gestão do enorme
patrimônio legado pelas gerações passadas!
Eu entendo que a IEAB precisa se
libertar de estruturas tacanhas que servem a interesses pessoais no “jogo de
poder” insensato. É necessário fortalecer os ambientes diocesanos ao invés de,
por exemplo, uma pretensa cúria nacional centralizadora e altamente
estruturante que pretende vincular a si toda as articulações e ações da Igreja;
o conceito de Igreja Nacional, na tradição que herdamos dos nossos fundadores
diretos (missionários da hoje TEC – The Episcopal Church, E.U.A.), é mais
voltado ao senso de unidade solidária que estruturas burocráticas.
Note-se que a própria TEC está revendo
suas opções estruturais retornando gradualmente ao conceito fundante do séc.
XVIII: Igrejas Diocesanas com forte senso missionário, abrindo mão da enorme
estrutura, caríssima, que por muitas décadas desenvolveu. Interessante ver esse
senso de autocrítica na TEC, um exemplo para sua mais dileta filha na América
do Sul… O excesso de burocracia estrutural, naquilo que deveria ser
infra-estrutura, acaba gerando espaços ilusórios de centralização do poder em
diferentes níveis e cultivam a cobiça… (sobre isso veja-se meu relatório
transformado em documento conciliar da Diocese Anglicana do Rio de Janeiro,
datado de 2011 – Revendo os Paradigmas).
Eu gostaria de propor que tivéssemos
oportunidades de encontros do clero, em caráter sacramental, não para ouvirmos
sumidades teológicas, sociológicas, técnicas ou de caráter social, mas como
oportunidade de partilha em oração, intercessão mútua, troca de experiências
pastorais e dividir a carga entre nós todos, não deixando apenas nas costas do
episcopado, “suportando-nos (dando suporte) uns aos outros em amor…” (cf.
Efésios 4.2).
Eu até estava me animando com a ideia
de um futuro Encontro Nacional do Clero, mas isso acabou se tornando um evento
formal, criado pela boa vontade de algumas pessoas, mas dentro da estrutura
burocrática e hierárquica, com uma agenda elaborada a partir de velhos
paradigmas. Eu esperava que houvesse um processo a partir dos grupos clericais
locais e diocesanos, para exercitar a partilha e a convivência fraterna há
muito perdida, até chegarmos ao momento da partilha ampla e nacional; um
processo que estava surgindo de forma espontânea mas que foi atropelado pela
burocracia institucional viciada em fazer as coisas estruturalmente, apesar da
boa vontade e boa intenção das pessoas que tomaram à frente na organização do
evento. Agora teremos mais um evento na agenda da estrutura nacional,
profundamente artificial, do qual não me sinto animado em participar: já tem
até uma agenda de atividades totalmente elaborada, tudo muito bem enquadrado…
não questiono a boa intenção, mas a forma como a coisa foi encaminhada, Parece que a Igreja, orgulhosamente
auto identificada como “anglicana” e lamentando a existência de tantos outros
“anglicanos”, acabou perdendo sua identidade mais original, de comunhão na
diversidade, de autoridade dispersa e compartilhada, de vocação profética, de
dons e ministérios geridos pelo Espírito Santo que – na minha maneira de
percebê-Lo – é adverso a toda burocracia, pois sopra onde quer! (será que estou
ficando pentecostal??? em tempos de neo-pentecostalismos histéricos, é até
profético ser pentecostal!).
A Igreja está se perdendo na confusão
dos partidarismos e da mesquinharia personalista de disputas internas: o poder
não para o exercício da autoridade como serviço, mas como afirmação de poder
pelo poder! E ninguém se dá conta que tal poder é tão ínfimo e sem consistência
a não ser a ilusão da pompa e da circunstância!
Com tristeza leio Amós 4.4-13 e vejo ai
um paralelismo com nossa história mais recente; temos deixado de lado a oração
e a penitência, a busca de Deus e a santa obediência, seduzidos pelo demônio do
sucesso a qualquer preço aliado ao desespero da auto $ustentação! Nessa busca
desesperada, caçamos inspiração não em nossa própria Tradição, mas na cópia de
receitas pouco salutares dentro do baixo evangelicalismo ou em imitações
tacanhas de um romanismo velho e caduco, cheio de símbolos vazios, deslocados
de nossa realidade e história, tudo para aumentar a clientela. Mas eu confio no movimento do Espírito.
Deus está se movendo e não nos deixará naufragar no mar de nossas própria
confusões. Portanto, preparemo-nos todos para encontrarmo-nos com nosso Deus e
Senhor (cf. Amós 4.12), mas confiemos também em Sua misericórdia e promessa
quando afirmou que estará conosco para sempre (Mateus 28.20).
O Espírito Santo nos impele novamente a
buscar as Escrituras e a estudar a Tradição Herdada, não como estética, mas
como conteúdo reflexivo da caminhada de 20 séculos feita pela Igreja de Cristo
entre acertos e erros, sempre sob a proteção de Deus e rendida (nem sempre) à
Direção do Espírito Santo que nos foi enviado pelo Pai e pelo Filho!
Quanto a mim, não sou “anglo-isso” ou
“anglo-aquilo” ou ainda “anglo-aquilo-outro”. Estou voltando a ser, cada vez
mais, um Episcopaliano sem adjetivos complementares, como eu me tornei desde
quando optei pela Igreja Episcopal e nela fui acolhido com carinho pastoral e
solidariedade. Amém!
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